Francisca Clotilde participou da luta que impulsionou a abolição da escravatura no Ceará, 1º Estado brasileiro a libertar os escravos no País.
Gláucia Lima
Combativa, mãe e mulher, a escritora cearense Francisca Clotilde aventurou-se no século XIX a “Resistir ao invés de existir!”
Exerceu pioneirismo e engajamento no campo da escrita, nas ações e na vida pessoal. Colaborou em grande número de periódicos de matriz operária, literária, abolicionista, republicana.
No dia da mulher, no jornal O Combate, jornal operário, Francisca Clotilde se dirige à mulher em um texto e conclamava à participação feminina às manifestações e lutas:
“as vitórias parciais alcançadas pelos oprimidos mostra que o dia da batalha
decisiva está prestes a soar. Seria pois uma probabilidade certa de vitória colocar
ao nosso lado, a mulher? É mister, portanto, arrancar a mulher ao sono da
indiferença em que jaz. Quebrar os preconceitos estúpidos a que estás ungida,
associá-la às nossas empresas, dar-lhe direitos, levá-la conosco à campanha,
fazê-la tomar parte na luta.”
Edição de 1902 - acervo da Casa de Juvenal Galeno |
Dona Chiquinha, como era chamada pelos seus alunos, era articulada nacionalmente
e participava ativamente da vida literária. Não só de Fortaleza, como do Brasil
e até de Portugal.
Em 1902, Francisca Clotilde publicou o romance A Divorciada. Livro que chocou a sociedade por se tratar de um tema tão antifamiliar. Pioneira no tema “divórcio” na Literatura Brasileira.
A Divorciada, tensional complexo,
aparentemente, pelo título tem a pretensão de ser ousado, mas ao mesmo tempo o
enredo é conservador, moralista.
Participou da Sociedade Cearense Libertadora = editou o jornal O
Libertador – exercício de ‘um certo feminismo’ das Mulheres Cearenses
Escrevia textos enfáticos e entusiasmados pela liberdade dos negros. Contribuiu
para a libertação dos escravos
Feminista, dá voz a todas as Mulheres de sua época!
Feminista, dá voz a todas as Mulheres de sua época!
“...as gerações futuras, referindo-se ao Ceará, dirão: A Terra da Luz repeliu a treva, e conquistou a Liberdade. Não com auxílio de tropas e vasos de guerra, mas simplesmente peã coragem e esforço de seus filhos.” Francisca ClotildeFoi membro da 1ª Academia Cearense de Letras, cadeira 16. Cadeira nº 9 na Casa de Juvenal Galeno. Também foi patrona da Academia de Letras Tauasense.
Abolição, voto, divórcio e até temas femininos eram questões tratadas pela escritora para a imprensa, principalmente revistas feita por homens e para homens. Foi, aliás, a primeira professora da Escola Normal, em 1884. Em 1886, tornou-se a única sócia efetiva do Club Literário, do qual participavam intelectuais como Rodolfo Teófilo e Antônio Bezerra.
Francisca Clotilde
Barbosa Lima nasceu em São João dos Inhamuns, hoje Tauá, Ceará, aos 19 de
outubro de 1862. Filha de João Correia Lima e Ana Maria Castelo Branco. Do
sertão dos Inhamuns a família se mudou para a Serra do Baturité e de lá, a
menina passou a estudar em Fortaleza, capital da Província, no Colégio
Imaculada Conceição, de onde saiu apta para o magistério, segundo nos informa
CUNHA (2008:148):
"Deste esboço de uma possível história de vida, sabe-se que nasceu em 1862, no sertão dos Inhamuns e que era de família abastada. A infância foi marcada pelas paisagens do sertão e experiências que se tornaram motivo para composição literária. Ainda no interior, Clotilde cursou o primário provavelmente em escolas caseiras. Na capital matricula-se no Colégio Imaculada Conceição para completar seus conhecimentos, como era o costume entre as meninas da elite ou classe média. Depois, já como professora da Escola Normal participa de acontecimentos significativos da Província. Paralelamente às atividades do magistério, consolidou seu nome na pauta diária da imprensa, expondo-se a comentários de mestres, colegas e alunos. Afinal de contas, por serem raras as mulheres que apareciam no cenário cultural, sua presença no espaço das letras poderia ser motivo de orgulho e exemplo a ser seguido pelas demais."
"Deste esboço de uma possível história de vida, sabe-se que nasceu em 1862, no sertão dos Inhamuns e que era de família abastada. A infância foi marcada pelas paisagens do sertão e experiências que se tornaram motivo para composição literária. Ainda no interior, Clotilde cursou o primário provavelmente em escolas caseiras. Na capital matricula-se no Colégio Imaculada Conceição para completar seus conhecimentos, como era o costume entre as meninas da elite ou classe média. Depois, já como professora da Escola Normal participa de acontecimentos significativos da Província. Paralelamente às atividades do magistério, consolidou seu nome na pauta diária da imprensa, expondo-se a comentários de mestres, colegas e alunos. Afinal de contas, por serem raras as mulheres que apareciam no cenário cultural, sua presença no espaço das letras poderia ser motivo de orgulho e exemplo a ser seguido pelas demais."
- Artigo A Mulher na Política,
publicado na brochura Pelo Ceará em 1911:
Em
que se pese aos obscurantistas o tempo do fuso e da roca já desapareceu na
voragem do passado e hoje a mulher não tem o direito de se apresentar nos
comícios eleitoraes porque a lei não lh’o quiz ainda conferir, tem o dever
sagrado de acompanhar o homem, máxime quando elle se bate pela pátria em seus
dias nefastos e trabalha pela liberdade e pelo progresso.
Com a filha funda a revista A Estrella:
"Mas, para além e aquém de 1916 – o ano de seu decênio – há muito a ser contado. Ao todo, foram 15 anos de publicação, totalizando quase 200 exemplares. Intenso trabalho entre os anos de 1906 e 1921. Pelas páginas de A Estrella passaram dezenas de mulheres e homens de letras, redigindo textos nos mais variados estilos e formatos, contemplando temas que iam desde a singeleza das flores e da natureza até a “grosseria” com que os homens tratavam as mulheres..." (Idem, p. 97)“Francisca Clotilde - uma história de amor e de lutas”
1 de 3 - Perfil - Francisca Clotilde, Uma História de Amor e Lutas
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- Poema abolicionista A Liberdade,
publicado em 1882 no jornal Gazeta do Norte:
Somem-se as trevas horríveis
Além desponta uma luz
É a liberdade que surge
Nos horizontes azuis.
Dos lábios puros de um mártir
Nasceu repleta de luz
Traz em seus lábios a paz
É santa… Vem de Jesus!
Tem por preceitos sublimes
O amor, a caridade,
É grande, imensa divina;
Esta sublime deidade.
A sua voz poderosa
Faz heróis na mocidade.
Todo aquele que a defende
Tem por templo a eternidade
Além desponta uma luz
É a liberdade que surge
Nos horizontes azuis.
Dos lábios puros de um mártir
Nasceu repleta de luz
Traz em seus lábios a paz
É santa… Vem de Jesus!
Tem por preceitos sublimes
O amor, a caridade,
É grande, imensa divina;
Esta sublime deidade.
A sua voz poderosa
Faz heróis na mocidade.
Todo aquele que a defende
Tem por templo a eternidade
- O Jangadeiro, publicado em 1911 no jornal Folha do Comércio, de
Aracati:
Braços
unidos, corações despedaçados, os míseros volviam um ultimo olhar para as
areais alvejantes da terra da pátria que iam deixar para sempre. Lagrimas
profusas brilhavam naqueles rostos onde a fatalidade estampára desde o berço o
ferrete da maldição (…)
O
que os esperava nas paragens do Sul? O engenho, o trabalho forçado, a tarimba,
a minguada ração, o azôrrague do feitor cruel, o opprobio, a miséria enfim!
Ali
a escravidão ainda era mais negra!…
E
se aproximavam os míseros da praia, enquanto o marulho das ondas quebrava a
monotonia da tarde que passava.
Clotilde
se insurgiu discretamente contra a escola realista, em voga no último quartel
do século XIX, e se afirmou romântica. Não se contentou com os rodapés e
publicou os seguintes livros: Coleção de Contos (1897), Noções de Aritmética
(1889), os dramas Fabíola e Santa Clotilde (s/d). Mas foi o romance A
Divorciada, de 1902, sua obra mais conhecida. Já a brochura Pelo Ceará (1911)
revela uma mulher republicana, que exalta a pátria e toma partido no amplo
movimento de oposição à oligarquia aciolina, lançando uma série de artigos
favoráveis à candidatura de Franco Rabelo.
Editora Terra Bárbara edição de 1996 |
“Resistir ao invés de existir!” (Especial para o Caderno 3 do Diário do Nordeste)
O estigma da mulher separada, em uma sociedade machista da época, na qual uma mulher separada do marido era considerada uma mulher sem respeito, quase uma prostituta; e a infelicidade de se perceber solitária e com filhos para criar, sem ajuda de alguém.
Sua cotidiana luta por direitos, por opiniões e liberdade tinham como armas as palavras, ora avançadas ora comedidas. A professora Francisca Clotilde desobedece o recato e afirma-se escritora na Fortaleza do final do século XIX. As lições ministradas na Escola Normal somavam-se às atividades como periodista, integrante do movimento abolicionista e participante de círculos literários. A escrita foi um dos meios que possibilitou inserção mais representativa das mulheres no espaço intelectual, predominantemente masculino até então, alargando as possibilidades femininas de atuação social e política. As letras projetaram Francisca Clotilde e garantiram uma boa rede de sociabilidade e trocas intelectuais a esta mulher de trajetória invulgar, cuja produção literária inclui Coleção de Contos (1897), Noções de Aritmética (1889), o romance A Divorciada (1902) e Pelo Ceará (1911). Destaque para A Estrella, revista literária que manteve com sua filha Antonieta Clotilde e Carmen Taumaturgo, em Baturité e Aracati, entre 1906 e 1921.
Rebeldes, utópicas, inconformadas e silenciadas. Ainda que atuantes, essas escritoras foram sistematicamente excluídas do cânone literário - forjado pela crítica e pela historiografia preponderantemente masculinas.
Francisca Clotilde, aos 25 anos de idade, ainda sem filhos, observa a diferenciação no tratamento dispensado ao homem e à mulher, a quem parece se dirigir diretamente, em um veredicto que atesta a onipotência masculina: ´A sociedade não o há de repelir, ele tem o direito de entrar com a fronte erguida nos salões [...]. Mas, tu, vítima indefesa, serias arremessada ao charco onde se revolvem as criaturas sem pudor. [...] Rirão da tua dor e zombarão de teus devotos, e sobre tua filha recairá a tua infâmia!´. Mensurem, pois, o impacto de ver tal drama feminino tematizado nas páginas de uma publicação assinada e freqüentada, quase que em sua totalidade, por homens, nos últimos anos do século XIX.
No Clube Literário, criado em 1886, Clotilde foi a única sócia efetiva, ao lado de Antônio Bezerra, Oliveira Paiva, José Olímpio e Rodolfo Teófilo. Era lugar dos ´espíritos mais cultos e progressistas´, no dizer de Dolor Barreira, onde era garantido o acesso à leitura de jornais, revistas e livros de Fortaleza, da Corte e demais províncias, das dez da manhã às dez da noite. E, a par do movimento beletrístico que ocorria no Brasil e noutros países, a agremiação organizava palestras, leituras coletivas e comentadas de obras aparecidas no período.
´Ao lê-la, a mente devassa mundos desconhecidos, o coração palpita, a alma sonha e os versos estremecem sob as mais doces e agradáveis sensações. Por vezes a frase é vibrante, vigorosa e produz o efeito de um choque elétrico, as vezes é meiga, suave, deliciosa [...] ora sobe em espirais de poesia aos prazeres do céu, ora desce no redemoinho das paixões até os horrores do inferno´.
Não pensem que essa doce transgressão não foi alvo de represálias. Em 1891, o abolicionista Libertador traz a seguinte frase de João Ribeiro, na abertura de um poema: ´As mulheres que escrevem são MACHONAS´. Reação que Clotilde pode ter sofrido, assim como outras pioneiras na escrita feminina no Ceará, a exemplo de Serafina Pontes (1850-1923), Emilia Freitas (1855-1908), Ana Facó (1855-1926), Ana Nogueira Baptista (1870-1965) e Alba Valdez (1874-1962). Rebeldes, utópicas, inconformadas e silenciadas. Ainda que atuantes, essas escritoras foram sistematicamente excluídas do cânone literário - forjado pela crítica e pela historiografia preponderantemente masculinas.
Leituras, leitoras e escritas, transgressoras por si sós, protagonistas de uma graciosa ´invasão´ no campo das letras, revisitadas nas páginas impressas. Compreender a importância de Francisca Clotilde é, sobretudo, ter a dimensão de seu pioneirismo e engajamento no campo da escrita, nas ações e na vida pessoal. É entender como ela dialoga suas leituras e escritas no século XIX e se inscreve em seus textos. Como em uma ´biografia autorizada´, ela oculta e exibe determinados aspectos - nos permite ver como quer ser mostrada e de que modo gostaria de ser lembrada. E ela não estava só - era uma mulher do seu tempo..
O estigma da mulher separada, em uma sociedade machista da época, na qual uma mulher separada do marido era considerada uma mulher sem respeito, quase uma prostituta; e a infelicidade de se perceber solitária e com filhos para criar, sem ajuda de alguém.
Sua cotidiana luta por direitos, por opiniões e liberdade tinham como armas as palavras, ora avançadas ora comedidas. A professora Francisca Clotilde desobedece o recato e afirma-se escritora na Fortaleza do final do século XIX. As lições ministradas na Escola Normal somavam-se às atividades como periodista, integrante do movimento abolicionista e participante de círculos literários. A escrita foi um dos meios que possibilitou inserção mais representativa das mulheres no espaço intelectual, predominantemente masculino até então, alargando as possibilidades femininas de atuação social e política. As letras projetaram Francisca Clotilde e garantiram uma boa rede de sociabilidade e trocas intelectuais a esta mulher de trajetória invulgar, cuja produção literária inclui Coleção de Contos (1897), Noções de Aritmética (1889), o romance A Divorciada (1902) e Pelo Ceará (1911). Destaque para A Estrella, revista literária que manteve com sua filha Antonieta Clotilde e Carmen Taumaturgo, em Baturité e Aracati, entre 1906 e 1921.
Rebeldes, utópicas, inconformadas e silenciadas. Ainda que atuantes, essas escritoras foram sistematicamente excluídas do cânone literário - forjado pela crítica e pela historiografia preponderantemente masculinas.
Francisca Clotilde, aos 25 anos de idade, ainda sem filhos, observa a diferenciação no tratamento dispensado ao homem e à mulher, a quem parece se dirigir diretamente, em um veredicto que atesta a onipotência masculina: ´A sociedade não o há de repelir, ele tem o direito de entrar com a fronte erguida nos salões [...]. Mas, tu, vítima indefesa, serias arremessada ao charco onde se revolvem as criaturas sem pudor. [...] Rirão da tua dor e zombarão de teus devotos, e sobre tua filha recairá a tua infâmia!´. Mensurem, pois, o impacto de ver tal drama feminino tematizado nas páginas de uma publicação assinada e freqüentada, quase que em sua totalidade, por homens, nos últimos anos do século XIX.
No Clube Literário, criado em 1886, Clotilde foi a única sócia efetiva, ao lado de Antônio Bezerra, Oliveira Paiva, José Olímpio e Rodolfo Teófilo. Era lugar dos ´espíritos mais cultos e progressistas´, no dizer de Dolor Barreira, onde era garantido o acesso à leitura de jornais, revistas e livros de Fortaleza, da Corte e demais províncias, das dez da manhã às dez da noite. E, a par do movimento beletrístico que ocorria no Brasil e noutros países, a agremiação organizava palestras, leituras coletivas e comentadas de obras aparecidas no período.
´Ao lê-la, a mente devassa mundos desconhecidos, o coração palpita, a alma sonha e os versos estremecem sob as mais doces e agradáveis sensações. Por vezes a frase é vibrante, vigorosa e produz o efeito de um choque elétrico, as vezes é meiga, suave, deliciosa [...] ora sobe em espirais de poesia aos prazeres do céu, ora desce no redemoinho das paixões até os horrores do inferno´.
Não pensem que essa doce transgressão não foi alvo de represálias. Em 1891, o abolicionista Libertador traz a seguinte frase de João Ribeiro, na abertura de um poema: ´As mulheres que escrevem são MACHONAS´. Reação que Clotilde pode ter sofrido, assim como outras pioneiras na escrita feminina no Ceará, a exemplo de Serafina Pontes (1850-1923), Emilia Freitas (1855-1908), Ana Facó (1855-1926), Ana Nogueira Baptista (1870-1965) e Alba Valdez (1874-1962). Rebeldes, utópicas, inconformadas e silenciadas. Ainda que atuantes, essas escritoras foram sistematicamente excluídas do cânone literário - forjado pela crítica e pela historiografia preponderantemente masculinas.
Leituras, leitoras e escritas, transgressoras por si sós, protagonistas de uma graciosa ´invasão´ no campo das letras, revisitadas nas páginas impressas. Compreender a importância de Francisca Clotilde é, sobretudo, ter a dimensão de seu pioneirismo e engajamento no campo da escrita, nas ações e na vida pessoal. É entender como ela dialoga suas leituras e escritas no século XIX e se inscreve em seus textos. Como em uma ´biografia autorizada´, ela oculta e exibe determinados aspectos - nos permite ver como quer ser mostrada e de que modo gostaria de ser lembrada. E ela não estava só - era uma mulher do seu tempo..
Combativa, mãe e mulher, a escritora cearense
Francisca Clotilde aventurou-se no século XIX a resistir ao invés de existir. (Luciana Andrade - Especial para o Caderno 3 do Diário do Nordeste)
Em 2012, foram
comemorados os 150 anos de seu nascimento na Bienal Internacional do Livro do
Ceará -: http://www.bienaldolivro.ce.gov.br/ultimas-noticias/homenagem-aos-150-anos-da-francisca-clotilde/#sthash.6erbDWak.dpuf
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