A queda de 1989 não foi uma derrota militar. A URSS se
desintegra e desaparece de cena, não porque lhe lançaram mísseis nucleares ou
bombas atômicas, mas porque perdeu a confrontação no terreno ideológico, dos
valores, da ética e da cultura. Todo mundo viu pela televisão as imensas filas
nos Mcdonalds que, após a caída do Muro do Berlim, faziam os habitantes desses
países, crendo ilusoriamente que nesses hambúrgueres indigestos iam encontrar a
utopia e o projeto de vida que não lhes proporcionavam os regimes burocráticos
do Leste Europeu.
Evidentemente,
ali não se pôde criar a nova subjetividade e a nova cultura que tanto reclamava
Che Guevara, nem a hegemonia socialista que pensava Antonio Gramsci. O marxismo
oficial desses países já não tinha nem a autoridade, nem o poder de convencimento,
que nunca deveriam ter perdido. Como alertava Roque Dalton, nós, marxistas
revolucionários, podemos aceitar todas as clandestinidades, menos a
clandestinidade moral (NESTOR KOHAN, 2005).
O CONTEXTO
DAS MUDANÇAS
A
revolução cubana tem demonstrado, ao longo de mais de meio século, uma grande
resistência à invasão promovida desde os EUA, ao bloqueio contra a ilha e às
centenas de ataques terroristas, que vitimaram mais de 3000 civis cubanos. Com
a queda da URSS e dos regimes do leste europeu, Cuba segue em pé e para tal
teve que buscar seu próprio modelo econômico e as transformações necessárias.
Em 1991, quando foram arriadas as bandeiras da URSS, surgiu a “teoria” das
circunstâncias. Segundo esta, a diligência soviética provocaria um tabuleiro de
dominó: tocou-se a primeira peça e, em cadeia, todas as demais iriam caindo.
Nessa lógica, Cuba também deveria sucumbir. Entretanto, quem imagina que Cuba
alguma vez esteve estagnada ou impotente diante das crises, desconhece a
determinação dos cubanos. Como aponta o professor Luiz Carlos de Freitas, o
desaparecimento da URSS não foi uma derrota do projeto socialista, mas dos
liberais socialistas, que ficaram prisioneiros da própria proposta de
transformação do Estado, levando o socialismo nos países da região para o campo
das teses do liberalismo.
Na última
década do século passado, Cuba passou por uma etapa particularmente complexa
como nação, denominada eufemisticamente de Período Especial em Tempos de Paz,
ocasião em que, muitos disseram: “Cuba não cai porque não tem para onde cair”.
Permeado por câmbios em todas as esferas da sociedade, esse contexto foi
desencadeado pelo desmoronamento do antigo campo socialista e dos signatários
do Consejo de Ayuda Mutua Económica (CAME), com os quais o país mantinha
relações comerciais que alcançavam um percentual significativo de
aproximadamente 85%, tanto na importação como na exportação.
A
recuperação de Cuba baseou-se em dois eixos: o desenvolvimento do turismo, por
falta absoluta de outra saída, e o investimento em biotecnologia. O país se
obrigou, em razão da perda de seus mercados do açúcar, a fechar a maior parte
das centrais açucareiras e, bruscamente, os campos de cana forma convertidos em
culturas de subsistência.
O turismo,
na forma atualmente desenvolvida, não foi uma opção do governo, do Estado ou da
revolução cubana. Essa constituiu a única solução, quando no começo da década
de 90, Cuba estava praticamente sem o mínimo combustível necessário. As cidades
às escuras com apagões, algumas indústrias, termoelétricas e fábricas fechadas,
pois o fornecimento (compra) de petróleo da antiga URSS acabou e nenhum país
queria vender petróleo a Cuba, que não dispunha da suficiente entrada de
divisas em moedas fortes para buscar no mundo o que era necessário.
Provavelmente, poucos países teriam resistido a condições tão adversas. A
recuperação, que veio em um crescente de 1994 a 2003, foi combinada com as
estratégias internas e com condições externas favoráveis: as mudanças nos
governos de direita na América Latina, para regimes de centro e
centro-esquerdo, assim como a radicalização do governo na Venezuela. A China
atualmente é a maior parceira comercial de Cuba.
Tal como
mostram estudos de muitos analistas, incluindo aqui os adversários do povo
cubano – reacionários burgueses e esquerdistas –, Cuba tem devolvido um sistema
de saúde e educação universais, apesar de todas as pressões. Nas questões de
segurança, Cuba é uma dos países do mundo com baixíssima criminalidade. O
formato societário cubano não inclui a incerteza brutal que nos mantém em
estado de alerta contra assaltos à mão armada, sequestros, balas perdidas e
outras formas de crimes frequentes nos países alinhados ao capitalismo da era
globalizada.
Esta
análise não exclui o registro da precariedade de moradias, especialmente nas
zonas de grande concentração urbana de Havana, as deficiências no abastecimento
de água e energia elétrica, as dificuldades no serviço de transporte e no
recolhimento de lixo urbano. Salienta-se ainda que as limitações engendradas na
crise surgida com o Período Especial não acarretaram o abandono de prédios
escolares, o fechamento de hospitais, o fenômeno dos “meninos de rua” e de
populações excluídas pelo sistema de saúde.
É
precisamente sua habilidade em atender às demandas necessárias, porque o povo
detém o poder, que a revolução dá respostas às suas necessidades. Enquanto
muitos regimes caíram nas urnas ou foram derrotados no terreno ideológico, dos
valores, da ética e da cultura, a Ilha se mantém firme na construção de seu
socialismo, tão autóctone quanto as suas palmeiras.
Apenas
para citar algumas iniciativas, em 2007, a frota dos ônibus da Viação Astro,
disponível à população, foi totalmente remodelada com novas unidades. O governo
cubano adquiriu da China, entre 2001 e 2002, um milhão de televisores em cores,
o que, para uma população de pouco mais de dez milhões de habitantes, atinge
potencialmente cerca de um terço dos domicílios. Não se trata simplesmente de
uma compra isolada, mas o reconhecimento do novo papel da televisão dentro de
um conjunto de medidas para enfrentar os novos desafios da Revolução Cubana,
como parte do movimento de universalização da cultura.
Nos
últimos anos todos os refrigeradores antigos fabricados na URSS foram
substituídos por novos, vindos de vários países, em especial da China,
distribuídos para todas as regiões do país e integralmente (na ilha inteira) as
casas receberam o direito de fazer a troca de qualquer refrigerador antigo.
Para implementar a racionalização do consumo de energia em 2006, foram
distribuídas em todo o país, pois lá a solução não é para beneficiar poucos
apenas, panelas elétricas conhecidas como ‘reinas’, o que facilitou muito o
trabalho de cozinhar. Para o início do ano escolar de 2003-2004, os programas
de computação beneficiavam cem por cento das matrículas de educação básica,
incluídas as rurais, com 46290 computadores instalados, para o que foi
necessário eletrificar com coletores solares 2368 escolas, das quais 93
contavam com apenas um aluno.
A associação
entre Cuba e as empresas de diversos países ocorre dentro do sistema de joint
venture, com empreendimentos conjuntos entre o Estado cubano e os empresários
do México, Brasil, Itália, França, Portugal, Canadá e Espanha, entre outros,
que se dispuseram a enfrentar o bloqueio. Difere de uma sociedade comercial
simples, porque se relaciona a um único projeto, onde a associação é dissolvida
automaticamente após o término do contrato. As empresas entram com o material
de construção, que não há em Cuba, montam o hotel e têm o direito de exploração
conjunta com o Estado, por certo tempo. Por exemplo, o Hotel Habana Libre, um
edifício de quase 20 andares, que foi construído pela rede Hilton, antes da
revolução, foi se deteriorando e não havia de onde obter internamente o
necessário para a reforma geral.
Elevadores,
carpetes, revestimentos, peças sanitárias e muito mais estavam em franca
decomposição, desde o início dos anos 90. Isso tem que pesar nas análises que
se faz de Cuba, uma ilha, bloqueada, onde existe muita beleza natural, pouca
matéria prima e raras fontes alternativas viáveis de energia. Esse hotel, ainda
que integrado à Rede Trip, pertence ao Estado cubano. A cadeia não é
proprietária, mas apenas tem o direito de explorar parte do negócio. Quando os
cubanos conseguiram – a duras penas – quebrar o bloqueio, que se acirrou
fortemente com o fim do CAME e da URSS, e fizeram esses contratos, as brigadas
de construção civil foram de imediato a Varadero, uma vez que era uma questão
de sobrevivência.
Localizada
no privilegiado Mar do Caribe, a amena temperatura e o regime de chuvas
tropicais modelaram uma paisagem motivadora, que Cristóvão Colombo, em 1492,
descreveu como la tierra más hermosa que ojos humanos jamás vieron. O célebre
geógrafo Alejandro Humboldt, no século XVIII, observou as extensas e lindas
praias, a diversidade da flora e fauna, como um espaço de abundância e rico em
belezas naturais. Nos campos da Sierra de Escambray, entre montes cobertos por
uma profusão de palmas reais, o céu é fortemente azul. Apenas quem nunca passou
dificuldades na vida pode imaginar que Cuba teria que decretar um
auto-bloqueio. Nesse contexto vem uma indagação: de onde Cuba poderia tirar as
divisas imprescindíveis ao país, para importar o que a Ilha não produz: trigo,
leite em pó, carne bovina, algodão, enfim, tudo que é necessário, abrindo mão
do turismo? Cuba é cercada de cayos, conjuntos de pequenas ilhas, mas esses
deveriam permanecer desertos?
Em janeiro
de 1961, Washington, unilateralmente, ao romper as relações diplomáticas com
Cuba, proibiu seus cidadãos de visitar a ilha. As ações exercidas contra Cuba
não se enquadram na definição de “embargo”, ao contrário, transcendem e
tipificam um bloqueio. No bloqueio, guerra de baixa intensidade, sem bombas e
estado de sítio, morte lenta por asfixia, se afeta o comércio, a saúde, a
educação e o ensino, o transporte, as comunicações, a tecnologia, a ciência, a
produção energética, a produção industrial, a produção agrícola e, certamente,
tudo isso incide de forma desfavorável na qualidade de vida do povo. Sobre a
Lei de Ajuste Cubano, promulgada em agosto de 1966, mediante a qual os Estados
Unidos admitem a entrada ilegal dos cubanos, lhes concede residência e a
possibilidade de trabalhar. O seu objetivo é transformar o tema em ferramenta
de permanente desestabilização.
Quando
entrou em vigor, em 1996, a Lei Helms-Burton, de caráter extraterritorial,
estabeleceu a suspensão de fundos às instituições financeiras que fizessem
negócios com Cuba. Essa legislação viola não somente as leis internacionais,
mas os próprios princípios dos EUA.
Em seu
artigo IV – “Proíbe o acesso ao território dos EUA a todos os traficantes:
diretores de empresas, assessores, familiares destes, etc”. Este título não
pode ser suspenso ou negociado pelo presidente dos EUA, sendo a primeira vez
que ao chefe da Casa Branca é retirado o poder no âmbito das relações
internacionais. Entre os tais “traficantes” estariam os dirigentes e acionistas
das empresas, que fazem negócios com o Estado cubano: Stet/Itália;
Demos/México; Sherrit/Canadá; Sol-Meliá/Espanha e Pernod-Ricard/França. Ainda
em 1996, a União Européia apresentou uma queixa na OMC contra os EUA, alegando
a ilegalidade da lei Helms-Burton, que violaria muitos acordos internacionais
sobre o livre comércio, até mesmo os que os próprios EUA haviam forçado
aprovação, tempos atrás, em instituições internacionais. Perante esta acusação,
os EUA responderam que se condenados pela OMC recorreriam a uma das cláusulas
dessa organização que permite não aceitar a decisão, por colocar em perigo a
própria segurança nacional.
AS
TRANSFORMAÇÕES RECENTES
Cuba está
no mundo e com o mundo: somos parte orgânica e protagonista da sociedade
planetária que nasce hoje, nos umbrais no novo milênio (CASTELLANOS SIMONS).
No segundo
semestre de 2010, o governo cubano anunciou a demissão de 500 mil funcionários
dos serviços estatais nos próximos seis meses. Em contrapartida, as autoridades
em Havana determinaram a ampliação do número de permissões para se trabalhar
por conta própria e abrir pequenas empresas, com medidas para legalizar o que
já existe na prática, relativo à utilização de mão de obra para o setor
privado. Como foi anunciado, as demissões teriam o objetivo de "suprimir
os enfoques paternalistas que desestimulam a necessidade de trabalhar”.
Na
percepção de muitos analistas, essas mudanças ocorrem para retirar a população
da inércia habitual e mobilizá-la coletivamente, transformando antigos traços
culturais de acomodamento e expectativismo em relação à ação paternalista das
autoridades. Sem dúvida, há setores onde a indisciplina laboral é grande. Uma
pessoa, ao entrar numa loja em Cuba para fazer uma compra, não raras vezes,
encontrará vendedores conversando e nenhum disposto a atendê-la. Ou passará
pela experiência de ir a um banco no horário de funcionamento e encontrar um
aviso na porta: fechado para inventário. Outra coisa são os desvios praticados
contra a propriedade comum a todos. Trabalhar numa padaria e vender farinha,
numa fábrica de charutos e comercializar desde caixas prontas, até a madeira
que seria para fazer as caixas. Isso já foi apontado pelas autoridades e por
muitos setores sensíveis da sociedade cubana: o maior inimigo de CUBA não é o
imperialismo, mas a corrupção interna.
Segundo as
estimativas, 25% da produção nacional atualmente são desviadas para o mercado
negro. Aos membros do partido tudo se cobra e por vezes o chefe de uma
corporação é penalizado com suspensão de meses, perda do cargo ou até prisão,
pelas fraudes praticadas em uma empresa. Os casos de corrupção, em geral, são
oriundos de esferas que nada têm com a revolução, com o PCC ou com o
socialismo. Recentemente a Folha de São Paulo publicou matéria, apenas mais uma
entre as centenas tendenciosas contra CUBA, onde se argumenta que no bairro de
Guanabacoa, em Havana, há certa concentração de pessoas que vivem da venda de
caixas de charuto. De onde saíram as folhas de tabaco, a madeira, os selos e as
fitas?
Segundo
eles, são famílias que vivem desse comércio fora das lojas oficiais, como se
isso fosse aceitável. É nesse sentido que as reformas devem ocorrer, na
tentativa de evitar que a corrupção se expanda nos meios de produção. Os planos
atuais não são apenas econômicos, uma vez que envolvem as esferas política,
ideológica, social, cultural e comportamental. A participação dos
trabalhadores, representativa, substantiva, decisória e cooperativa não está e
nem poderia se tornar alheia ao processo que busca a ampliação das bases
produtivas do país. A crítica que se faz é justamente essa: durante muitos anos
os cubanos se acostumaram ao paternalismo, acomodados à espera dos benefícios
vindos de cima.
A escola,
em particular, vem apresentando lacunas na formação adequada de indivíduos
verdadeiramente motivados à prática laboral. Esse fenômeno atingiria,
particularmente, a geração mais jovem nascida após a Revolução, sem memória
existencial do passado, acostumada a receber os serviços propiciados pelos
organismos estatais, com pouco esforço pessoal. Paradoxalmente, muitas
conquistas ocorridas após a Revolução no campo social, como a garantia de pleno
emprego, os serviços médicos e educacionais gratuitos, o baixo preço das
tarifas de transporte e dos programas culturais, enfim, as políticas de
distribuição mais equitativa podem ser consideradas fatores responsáveis pela
acomodação e pela indisciplina. Apenas com lições não se forjaria uma nova
consciência, uma vez que é necessária participação no esforço coletivo.
Os meios
de produção, considerados patrimônios do povo, não estão plenamente tomados
pelo esperado sentimento coletivista. Os problemas não ocorreriam apenas pela
oposição ao trabalho, porque, como valor, ele é aceito pela sociedade cubana,
mas a questão se encontra na interiorização dessa idéia e sua transformação em
convicção, que nem todos possuem, muito menos quando essa convicção necessita
ser transformada em conduta efetiva. Assim sendo, são os cubanos, protagonistas
das lutas de resistência no país, que exigem entre outras transformações,
atitudes muito simples, como o cumprimento de horários e responsabilidade no
trabalho. Um ponto final no descompromisso e falta de empenho é a tônica das
mudanças. Muitas situações de descaso nos ambientes de trabalho são
intoleráveis à população local.
A Central
de Trabalhadores de Cuba (CTC) recentemente afirmou que o excesso de vagas é de
mais de um milhão nos setores orçamentário e empresarial. A CTC alega que
"o Estado não pode nem deve continuar a manter empresas com quadro de
funcionários inflados, que criam empecilhos para a economia e deformam a conduta
dos trabalhadores". A maioria das vagas cortadas será em setores
burocráticos do governo, especialmente nos Ministérios do Açúcar, Saúde Pública
e Turismo. Aos demitidos serão oferecidas vagas em atividades estatais nos
setores com déficit de trabalhadores, como agricultura, magistério, polícia e
construção. A idoneidade de cada operário será o quesito analisado para se
decidir quem fica no cargo e quem será demitido. Para tal foram criadas
comissões de estudo dos casos. Este trabalho de racionalização é uma
necessidade imperiosa e será realizado por um grupo de especialistas do
movimento sindical. Apenas a título de exemplo: a refinaria que se montará em
Matanzas, a partir de 2011, requererá cerca de 5000 construtores.
O que se
demonstra com essas medidas é uma nítida tentativa de oposição à
irracionalidade burocrática e à tendência de negar espaços aos trabalhadores,
que comprometiam de forma negativa os vínculos entre pensamento e ação,
acirrando a distância entre as políticas oficiais e as necessidades do país.
Ainda que o sistema, nos moldes atuais, apresente uma estrutura centralizadora,
as pessoas nunca deixaram de demonstrar a tomada de consciência, quanto ao seu
papel crítico aos questionamentos dos determinismos burocráticos, no estilo “se
acata, pero no se cumple”, que foi a regra de ouro diante de decretos do
colonialismo espanhol.
O governo
revolucionário implementou medidas, com o intuito de fazer justiça e de
conseguir o máximo de igualdade; entretanto, elas têm sido sistematicamente
violadas pela população, uma vez que no entendimento de algumas correntes, as
necessidades seriam uma questão de sobrevivência. Movendo-se entre acatar as
leis e violá-las, o cubano concebeu um jogo de dupla moral, num par dialético
equivocado e numa advertência aos legisladores que não conseguiram ao longo do
tempo senão desacreditar a legalidade de algumas medidas concebidas para ser
burladas, em razão de sua irrealidade. Por esse motivo, será emitido um número
aproximado de 460 mil licenças para os cubanos abrirem seus próprios negócios e
mais de cem tipos de atividades profissionais particulares passarão a ser
permitidas, uma vez que na prática elas já existem. O propósito de tais
mudanças é incrementar a produtividade e a eficiência.
Dentre as
atividades amplamente exercidas, mas que não tinham regulamentação, é possível
citar: marceneiro, encadernador de livros, encanador, pedreiro, amolador de
facas, treinador de animais, cuidador de crianças e de enfermos, eletricista,
manicure, cabeleireiro, barbeiro, fabricante de coroa de flores, fotógrafo,
jardineiro, instrutor de automóvel, massagista, costureira, alfaiate, pintor,
borracheiro, professor de música, professor particular, relojoeiro, consertador
de bicicleta, reformador de colchões, consertador de óculos, tapeceiro,
sapateiro, entre outras. O que busca o Estado é eliminar a prática comum em
outros tempos, dos malfadados inspetores atuando para saber a forma como
determinadas atividades se processavam e passar a outro patamar: dar às pessoas
o direito de exercerem um trabalho, pagarem seus impostos e seguirem tão
comunistas como sempre. Alguns exemplos:
• Na
década de 90, quando foram liberados os pequenos restaurantes em casas (os
Paladares), apenas se autorizavam 12 lugares para os clientes e a mão de obra
no estabelecimento seria restrita ao interior da família, ainda que nem sempre,
entre os parentes, haveria pessoas dispostas a participar dessa iniciativa.
Isso criou uma situação de ilegalidade aos que trabalhavam nesses locais, sem
registro, pois eram inexistentes para o Estado. Com a nova regulamentação, o
olho severo prossegue, uma vez que os donos dos Paladares podem atender
dispondo somente de 20 lugares e contratar mão de obra, com assentamento legal
para os que realizam o trabalho nos referidos restaurantes.
• Outra
atividade autorizada nas casas há quase 10 anos, com o pagamento de impostos, é
o aluguel de até dois quartos, destinados a quatro pessoas, no máximo. Para
tal, o dono da moradia tem que garantir as condições necessárias por lei. Uma
delas é que nas residências não vivam menores de 18 anos. Essas normas estão
mantidas e a inovação é que o dono da casa poderá contratar mão de obra para
ajudar no seu funcionamento, como no caso dos restaurantes caseiros.
• Uma
questão complicada nos últimos tempos é a dos táxis, até agora estatais. O uso
desse meio de transporte tornou-se sensivelmente abusivo para quem depende
dele: embora exista taxímetro, supostamente obrigatório, entre os motoristas há
o hábito de não ligá-lo. As corridas ocorrem ao bel prazer e o preço também. E
sem ter que nada investir em combustível, na manutenção ou na compra do carro,
isso virou um negócio fantástico aos que querem viver de ataque aos bens
públicos. A ideia presente nas transformações atuais é entregar o carro,
mediante um contrato de venda, ao motorista, que será o proprietário, sem que
ele possa vender ou especular com o veículo. E a gasolina também será
administrada por conta própria.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Na
percepção de muitos, que conhecem e acreditam nos esforços de avaliar os erros
para não repeti-los, o enfoque das mudanças está centrado no desenvolvimento
das forças produtivas com o peso dos elementos históricos, culturais e sociais
de Cuba. Essas mudanças em nada afastam o Estado do seu papel no socialismo, em
clara contraposição às ações dessa instituição no capitalismo, num grande
desafio que todos os marxistas do mundo deveriam assumir como seus. Como pediu
Raúl Castro, em discurso pontuado por mensagens dirigidas aos líderes sindicais
cubanos, que eles resistam à "tendência perniciosa" de esconder as
falhas do regime.
O que se
tem em vista é evitar equívocos como a cristalização de princípios, que
impossibilite a interpretação da realidade atual, que ignore ou despreze as novas
experiências. Nada de omnisciência dos clássicos, de dogmatismo e de
extremismos, porque os partidos marxistas–leninistas jamais podem opor os
textos à realidade, jamais podem desmentir as contingências que surgem no
caminho. Nas palavras do cubano Guillermo
Rodríguez Rivera:
Isla que ha sido y es encrucijada, tierra de
ingravidez histórica, en la que soplan siempre vientos encontrados, impulsados
por la borrasca o la calma del mar inacabable; lugar donde se escucha siempre
el canto de las sirenas que nos convoca a ser lo que no somos, los cubanos
persistiremos en esa identidad que nos hace incólumes a todas las influencias.
Mientras más cerca se halla el cubano de una influencia devastadora, más
reciamente se resiste a dejarse dominar por ella. Ahí opera esa ingravidez, esa
volubilidad de un país regido por las brisas, por el oleaje del mar que fluye e
refluye, siempre capaz de escapar de todo lo que intenta transformarlo, por
tener un alma inalcanzable que ni él mismo conoce en su plenitud.