por Maria do
Carmo Luiz Caldas Leite[1]
A sociedade
cubana não escapa às aceleradas transformações ocorridas no mundo, desde a
segunda metade do século XX, que têm influenciado a vida familiar, marcadamente
as questões relativas à autonomia da mulher, à redução da fecundidade às
mudanças no relacionamento conjugal, ao acentuado número de casais divorciados,
ao crescimento de lares monoparentais, que decorrem não apenas do pós-divórcio,
mas também do aumento do número de mães celibatárias. A família cubana gravita
em torno da mulher, podendo se caracterizar como sendo de base matrifocal.
Para tal, mais do que derrubar
tabus e barreiras machistas, foram introduzidos
novos conceitos. Muitas das
políticas implementadas nasceram com a Federación de Mujeres Cubanas –a FMC – fundada em 23 de agosto de 1960.
Articulada como base da união de todas as organizações femininas
revolucionárias de Cuba, na luta emancipação pela mulher, a Federação é
dirigida aos movimentos sociais integrados, com ênfase nos setores de saúde, educação e emprego, necessários
para concretizar políticas específicas dirigidas à mulher. Em Cuba, não há discriminação com relação a
salários e confinamento a empregos tradicionalmente de mulheres, como a
feminização do magistério. Como parte destas conquistas, o aborto foi
legalizado em 1965.
Na alvorada do novo milênio, as mulheres cubanas representavam:
44% da força laboral do país
66% da força técnica qualificada.
58 % das matrículas universitárias
31% das Assembléias de Poder Popular
36% do Parlamento Nacional
Na expressão de
qualquer pensamento progessista, há décadas está claro que somente o trabalho
poderá garantir uma independência concreta aos seres humanos, independentes do
gênero. É pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava
do homem na sociedade cubana. Entretanto, a incorporação da mulher ao mundo laboral está
estreitamente vinculada à atenção dada infância, que em Cuba tem início no
primeiro trimestre de gravidez. O Código da Família de 1975, renovado em 2003,
estabelece a responsabilidade compartilhada entre mãe e pai para proteger,
cuidar e preparar os filhos para a vida. A trabalhadora gestante está na
obrigação de cessar suas atividades laborais ao completar trinta e duas semanas
de gravidez, ou trinta semanas no caso de gêmeos, e tem direito à licença de
dezoito semanas, compreendidas seis antes do parto e doze após. Uma vez
concluída a licença pós-natal, a mãe e o pai poderão decidir, em comum acordo,
qual deles cuidará do filho e a forma como distribuirão as responsabilidades,
até completar o primeiro ano de vida da criança, devendo comunicar a decisão
conjunta e o pedido de licença remunerada, de um deles, por escrito, à
administração do centro de trabalho de ambos. Se a mãe trabalhadora decidir
incorporar-se ao trabalho, terá para comparecer ao centro assistencial
pediátrico. O pai ou a mãe de menor de idade com disfunção física ou mental tem
direito à licença remunerada até que a criança complete dois anos. As atenções
à gestante, dentre outros cuidados, permitem que Cuba apresente a taxa de
mortalidade infantil de 5,8 por mil nascidos vivos, número que ocupa o segundo
lugar nas Américas, apenas superado pelo Canadá.
As
crianças, ao ingressarem na educação primária, em geral, já receberam atendimento no sistema
pré-escolar. A organização da educação infantil é feita com base nas
instituições formais, os chamados “Círculos Infantis”. Em Havana há 418
círculos infantis e as estatísticas mostram que nos primeiros quarenta anos do
período revolucionário foram criadas 1.107 instituições de educação formal para
menores de seis anos em todo o país. Dentro da educação não-formal, no programa
‘Educa a Tu Hijo’ os pais têm a possibilidade de obter as informações
necessárias para conseguir melhor educação, caracterizada pelo desenvolvimento
das capacidades e potencialidades das crianças. Esse programa é organizado pela
comunidade e funciona em local adequado e escolhido por essa. É frequentado
pelas crianças duas vezes por semana, durante duas horas, e nele, juntamente
com os adultos responsáveis pelas crianças (geralmente a mãe que não trabalha
ou a avó), são promovidas atividades entre os alunos das escolas formais e do
projeto não formal.
Segundo
dados da Unesco[2],
o estado Cuba atende 89,9% de todas as suas crianças em idade de educação
infantil, o maior índice dos países latino-americanos. De acordo com as idades,
a média, entre os menores até três anos, é de seis crianças para cada adulto.
Para as demais crianças, nos outros grupos, a proporção é de dois adultos, uma
professora e uma auxiliar pedagógica por turma de 25 crianças. As instituições
são administradas pelos conselhos populares em que participam direção,
representante dos pais, representantes das organizações de massa, um médico e
duas enfermeiras, que trabalham diariamente atendendo crianças, adultos e
comunidade. Na busca de um homem novo, pela reapropriação da natureza humana, a
família cubana, centrada na figura da mãe, é entendida como espaço marcante de
realização, desenvolvimento e consolidação das relações sociais, pois é nesse
contexto que as crianças aprendem, sobretudo, competências relacionais básicas,
tais como: partilhar, ouvir, saber pedir, negociar, lidar com amigos e com
inimigos, aprender com os outros, obter a aceitação do grupo e a noção de
coletivo. Na raiz do pensamento de José Martí, “educação da mulher garante e
anuncia os homens que dela hão de surgir, desenvolvidos no calor do lar”.
Mais do que demandas estreitas e
imediatas, estas batalhas fazem parte da luta maior contra a exploração do
seres humanos por seres humanos, firmadas sob uma nova perspectiva, negando a
suposta fatalidade biológica que contribuiu para circunscrever a mulher às
funções femininas, vistas como subalternas, estreitamente ligadas ao lar, à
reprodução e à família, drasticamente desvalorizadas por serem consideradas
economicamente improdutivas. No discurso desterritorializado sobre a emancipação feminina, da
confrontação de idéias emergem dois paradigmas: um idealizado com toda carga de
expectativas e sonhos, e o outro, construído no limite das condições humanas e
no âmbito das dificuldades de várias ordens. No dizer de Fidel Castro:
“A
experiência cubana demonstra que o desaparecimento do capitalismo não implica
no desaparecimento automático da discriminação de gênero, o que confirma a
necessidade de impulsionar a revolução das mulheres dentro da revolução
socialista, através de um processo cultural, educativo e político”.
[1]
Professora de Física, mestre em Educação, autora da pesquisa desenvolvida nas
escolas em Cuba: http://grabois.org.br/portal/noticia.php?id_sessao=24&id_noticia=653
[2] UNESCO. Educación para todos, el imperativo de la calidad: informe de seguimiento da la EPT en el
mundo. Paris: Organización de
las Naciones Unidas, 2005.