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Chico Buarque: novo romance mistura ficção e biografia
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Em novo romance, o escritor e músico Chico Buarque mistura
os registros ficcional e histórico numa saga familiar
Os sete filhos do historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) com
Maria Amélia (1910-2010) costumam explicitar suas posições na escadinha de
nascimentos, entre os anos de 1937 e 1950, assim: Miúcha é a “número 1”,
Sergito, o “número 2”, e por aí vai. Quando, em 1967, os herdeiros do
historiador souberam da existência de um meio-irmão alemão, nascido em 1930 de
um namoro do pai em Berlim, todos poderiam ter dado um passinho para trás nessa
fileira. As informações escassas sobre o primogênito, no entanto, mantiveram o
cenário inalterado.
Mas o irmão número 4, Chico Buarque, 70, o primeiro a saber da história
--graças a uma inconfidência de Manuel Bandeira, amigo de seu pai--, nunca se
contentou com a falta de notícias. Em 2012, após mais de quatro décadas ciente
do caso, o músico e escritor resolveu transportar a experiência de anos de
incerteza para o papel, na forma de ficção.
O fruto dessa angústia, O Irmão Alemão, quinto romance de Chico Buarque,
começou a ter suas 70 mil cópias iniciais distribuídas às livrarias do País
nesta semana.
Seis meses após iniciar o romance, Chico descobriu documentos que sua mãe
guardara por décadas. Eram cartas trocadas nos anos 1930 entre autoridades
alemãs e seu pai --elas o chamavam de Sergio de Hollander, que virou o nome do
personagem na ficção. As missivas tratavam da possível adoção do filho Sergio
Ernst por um casal em Berlim. Mas, para isso, o historiador tinha de enviar
documentos comprovando que o garoto não tinha ascendência judaica.
Desses documentos, e com trabalho de pesquisa feito com a ajuda da Companhia
das Letras, saíram os dados que ajudaram Chico a terminar o livro. “O Chico em
geral demora de um a dois anos para escrever um livro. Do meio para o final do
primeiro ano, ele me ligou dizendo que estava com bloqueio, que precisava
descobrir o que houve com o irmão para escrever. Falei para ele: ‘Vamos dar um
jeito’”, diz Luiz Schwarcz, editor da Companhia das Letras.
Meias verdades
As incertezas de um rapaz que persegue pistas de um
meio-irmão desconhecido estão no centro do romance, protagonizado por Francisco
de Hollander, o Ciccio, filho de um pesquisador com uma italiana chamada
Assunta. Em vez de seis irmãos brasileiros, Ciccio tem apenas um, o mulherengo
Mimmo.
O cenário ficcional daquele que Chico definiu a amigos como seu “romance
paulista”, rico em descrições da São Paulo dos anos 1950 e 1960, é em tudo
familiar para quem conhece a história do compositor.
Ciccio, assim como o autor aos 17 anos, “puxa” carros alheios na rua --é
famosa a imagem em que ele aparece fichado pela polícia por ter furtado um
carro para dar uma voltinha. Outra passagem conhecida da vida de Chico é aquela
em que ele enganava taxistas que o deixavam na porta do bar Riviera, em São
Paulo, dizendo que só ia comprar um cigarro e escapando pelos fundos sem pagar
a corrida. No livro, o narrador comenta: “Não sei como ainda não descobriram
que esse bar tem uma saída pelos fundos”.
Obviamente, a barafunda de referências é mais clara para os irmãos de Chico,
que tiveram acesso ao romance apenas na semana passada. “Minha irmã Cristina me
ligou ontem: ‘Já imaginou mamãe cozinhando com alho?’. Mamãe odiava alho, e a
Assunta só cozinha com alho”, diz a cantora Miúcha, a número 1. “O pai do
Ciccio é um cara mais severo, e papai era brincalhão. Mas a descrição dele
trabalhando, bate na máquina, arranca a folha, amassa, joga a bola de papel, é
como me lembro”, conta a cantora e ex-ministra Ana de Hollanda, a número 6.
“Chico adora esse quebra-cabeças.”
A remessa do romance para os irmãos apenas na véspera do lançamento
explicita a estratégia de divulgação da Companhia das Letras, que, como de
costume, fez mistério sobre a obra.
O título e um trecho do livro foram divulgados apenas 11 dias antes da
chegada da obra às livrarias, na sexta, 14. Chico, como de costume, não quis
dar entrevistas. (Raquel
Cozer, Folhapress)
_Fonte: Vida & Arte (O
Povo Online)
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