segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O mistério de Chico em O irmão alemão

Chico Buarque: novo romance mistura ficção e biografia
Em novo romance, o escritor e músico Chico Buarque mistura os registros ficcional e histórico numa saga familiar
Os sete filhos do historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) com Maria Amélia (1910-2010) costumam explicitar suas posições na escadinha de nascimentos, entre os anos de 1937 e 1950, assim: Miúcha é a “número 1”, Sergito, o “número 2”, e por aí vai. Quando, em 1967, os herdeiros do historiador souberam da existência de um meio-irmão alemão, nascido em 1930 de um namoro do pai em Berlim, todos poderiam ter dado um passinho para trás nessa fileira. As informações escassas sobre o primogênito, no entanto, mantiveram o cenário inalterado.

Mas o irmão número 4, Chico Buarque, 70, o primeiro a saber da história --graças a uma inconfidência de Manuel Bandeira, amigo de seu pai--, nunca se contentou com a falta de notícias. Em 2012, após mais de quatro décadas ciente do caso, o músico e escritor resolveu transportar a experiência de anos de incerteza para o papel, na forma de ficção.

O fruto dessa angústia, O Irmão Alemão, quinto romance de Chico Buarque, começou a ter suas 70 mil cópias iniciais distribuídas às livrarias do País nesta semana.

Seis meses após iniciar o romance, Chico descobriu documentos que sua mãe guardara por décadas. Eram cartas trocadas nos anos 1930 entre autoridades alemãs e seu pai --elas o chamavam de Sergio de Hollander, que virou o nome do personagem na ficção. As missivas tratavam da possível adoção do filho Sergio Ernst por um casal em Berlim. Mas, para isso, o historiador tinha de enviar documentos comprovando que o garoto não tinha ascendência judaica.


Desses documentos, e com trabalho de pesquisa feito com a ajuda da Companhia das Letras, saíram os dados que ajudaram Chico a terminar o livro. “O Chico em geral demora de um a dois anos para escrever um livro. Do meio para o final do primeiro ano, ele me ligou dizendo que estava com bloqueio, que precisava descobrir o que houve com o irmão para escrever. Falei para ele: ‘Vamos dar um jeito’”, diz Luiz Schwarcz, editor da Companhia das Letras.

Meias verdades
As incertezas de um rapaz que persegue pistas de um meio-irmão desconhecido estão no centro do romance, protagonizado por Francisco de Hollander, o Ciccio, filho de um pesquisador com uma italiana chamada Assunta. Em vez de seis irmãos brasileiros, Ciccio tem apenas um, o mulherengo Mimmo.

O cenário ficcional daquele que Chico definiu a amigos como seu “romance paulista”, rico em descrições da São Paulo dos anos 1950 e 1960, é em tudo familiar para quem conhece a história do compositor.

Ciccio, assim como o autor aos 17 anos, “puxa” carros alheios na rua --é famosa a imagem em que ele aparece fichado pela polícia por ter furtado um carro para dar uma voltinha. Outra passagem conhecida da vida de Chico é aquela em que ele enganava taxistas que o deixavam na porta do bar Riviera, em São Paulo, dizendo que só ia comprar um cigarro e escapando pelos fundos sem pagar a corrida. No livro, o narrador comenta: “Não sei como ainda não descobriram que esse bar tem uma saída pelos fundos”.

Obviamente, a barafunda de referências é mais clara para os irmãos de Chico, que tiveram acesso ao romance apenas na semana passada. “Minha irmã Cristina me ligou ontem: ‘Já imaginou mamãe cozinhando com alho?’. Mamãe odiava alho, e a Assunta só cozinha com alho”, diz a cantora Miúcha, a número 1. “O pai do Ciccio é um cara mais severo, e papai era brincalhão. Mas a descrição dele trabalhando, bate na máquina, arranca a folha, amassa, joga a bola de papel, é como me lembro”, conta a cantora e ex-ministra Ana de Hollanda, a número 6. “Chico adora esse quebra-cabeças.”

A remessa do romance para os irmãos apenas na véspera do lançamento explicita a estratégia de divulgação da Companhia das Letras, que, como de costume, fez mistério sobre a obra.

O título e um trecho do livro foram divulgados apenas 11 dias antes da chegada da obra às livrarias, na sexta, 14. Chico, como de costume, não quis dar entrevistas. (Raquel Cozer, Folhapress)

_Fonte: Vida & Arte (O Povo Online)

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