'Eles são muitos... Morreu metade do
meu povo', diz líder
indígena Davi Kopenawa Yanomami
'Sem índio, vocês vão sofrer também. Índio não vai morrer sozinho', diz Davi Kopenawa Yanomami, ao defender que há poucos indígenas para proteger a terra para o mundo inteiro. A falta de comida é doença do garimpo, resume Davi, indicando que o modo de vida Yanomami está sendo drasticamente afetado (Cristiano Mariz/O Globo)
Davi Kopenawa Yanomami, o xamã que
dedica a vida à luta pela preservação de seu povo e do maior território
indígena do país, está de luto. Mais de 570 crianças Yanomami morreram em
consequência da contaminação por mercúrio do garimpo ilegal, de subnutrição,
diarreia, verminoses, doenças respiratórias e malária nos últimos quatro anos.
“Minha
esperança é o presidente Lula”
Foto: Ricardo Stuckert |
“Minha esperança é o presidente Lula, que, acho, está preparando o plano de retirada dos 70.000 garimpeiros da Terra Yanomami”, estima o líder indígena. “Tem que ser urgente. A doença não demora. A fome também não.”
Davi Yanomami deixa claro que a
desnutrição é consequência da invasão de garimpeiros, que contamina rios com
mercúrio e prejudica a pesca. O barulho dos aviões e das máquinas, e a
violência do garimpo, espanta a caça e dificulta a coleta de alimentos nas
roças indígenas.
“A
falta de comida é doença do garimpo”, resume, indicando que o modo de vida
Yanomami está sendo drasticamente afetado. “A fome não chega sozinha. A fome
chega com a destruição”, diz. “Eles são muitos, nós somos poucos. Morreu metade do meu povo”, conta,
referindo-se ao impacto de invasões passadas. Davi diz que o problema não é de
hoje, mas se agravou nos últimos quatro anos. “O governo Jair Bolsonaro não
quis tirar, e senadores, deputados, ficaram junto com os garimpeiros”, diz.
“Esse garimpo que está na terra Yanomami é obra do governo”.
“O rio é o caminho do garimpo”, diz o
xamã, indicando os lugares onde a ilegalidade está mais próxima. “Passam muitas
canoas, mercadoria, gasolina, comida, bebida. Entra tudo na balsa, bebidas,
drogas. Foram colocando barracas na beira do rio e estragou tudo. Não é como antigamente.
Parece um lixo”, resume, dizendo que o garimpo de hoje “é de gente grande, com recursos”.
Denuncia ainda a presença do tráfico e a violência sexual com mulheres
indígenas. “É pouco índio que está protegendo a terra para o mundo inteiro. Sem
índio, vocês vão sofrer também”, alerta. “Índio não vai morrer sozinho. Vamos
morrer junto com a água, floresta, a cultura", alertou Davi Yanomami, 66
anos, em entrevista ao Valor pouco antes de embarcar aos Estados Unidos, a
convite da Fundação Cartier, para a abertura da exposição “The Yanomami
Struggle”, no The Shed, em Nova York. Com curadoria do Instituto Moreira
Salles, será a maior exposição sobre o trabalho e a amizade da artista Claudia
Andujar com os Yanomami. “Estou preparado para falar sobre o que está
acontecendo com meu povo. Muita gente quer ouvir a minha fala”, diz Davi.
Ele estará com o antropólogo Bruce
Albert, com quem escreveu “A Queda do
Céu”. A estadia começa pela Universidade de Princeton. Lá, serão recebidos
pelo presidente Christopher L. Eisgruber e diretores de vários departamentos e
institutos, como o Brazil Lab.
_Trechos da entrevista:
Homem da cidade
O homem da cidade é diferente. Não conhece o meu povo. São mais de 522 anos que o homem da cidade vem invadindo, estragando nossas terras e comunidades, estragando a saúde da floresta. Quando eu era pequeno, com 3 ou 4 anos, isso já aconteceu. Eles tomaram as nossas terras e continuam roubando. São acostumados a maltratar o povo da floresta. Nós estamos ocupando nosso lugar, que é bonito, tem água limpa, montanhas, mas eles precisam usar as madeiras, a biopirataria.
Impacto
da estrada
Em
1973, passou estrada dentro da floresta Yanomami (a BR-210, conhecida por
Perimetral Norte). Derrubaram milhares de árvores e estragaram igarapés e rios.
Foi o caminho dos invasores, o caminho da entrada da doença, da gripe, da
bebida. Homem da cidade que vem andando e não respeita. Ele vai cortando
madeira, fazendo desmatamento, e vai se interessando na nossa terra, que é um
lugar bonito. Isso continua se repetindo.
Sarampo
Quando
entrou a estrada, entrou o sarampo. Em 1975-76, o sarampo matou meus parentes no
Catrimani (nome de rio e região em Roraima), Ajarani (rio em Roraima), Maturacá
(comunidade no Amazonas). Nesse tempo o meu povo era numeroso, tinha muitos
Yanomami. Aí continuaram maltratando. Entraram os invasores, que se chamam garimpeiros.
Não tem o porco que cria no campo, que fica fazendo buraco, procurando? Os homens
garimpeiros são assim. Procuram pedras preciosas, diamante, cassiterita e ouro.
Pegam e vendem na cidade.
Malária
Em
1986, entrou outro garimpo muito forte. Eram 40 mil garimpeiros que estragaram
nossos rios, nosso roçado e nossa saúde. Demorou um pouco e começou a entrar a
doença que chama malária. O homem da cidade entra contaminado, carrega as
doenças no corpo e fica transmitindo.
Foi muito forte. Eles são muitos, nós
somos poucos, e poucos parceiros da cidade. Morreu metade do meu povo. Morreu
mulher, idoso, criança, moça. Foi durante 1986 e 91 e 92. Eles entram de
qualquer jeito. Não ficam com pena. Não gostam de índio. Poucas pessoas gostam.
Território
só no papel
Depois
os garimpeiros foram retirados pelo governo e a Terra Yanomami foi homologada e
demarcada. Nossas terras estão demarcadas, mas não estão respeitando. Governo homologou
no papel e pronto, não garantiu. E garimpeiro entrou de novo.
Eu, com meu grupo e meu filho (Dário
Yanomami), e a Hutukara Associação Yanomami começamos lutando. Denunciando,
mandando documento para o Ministério Público e avisando, ‘olha, os garimpeiros
estão entrando. O governo tem que tirar de novo. Senão, vai aumentar muito’.
Foi assim em 2014, 15, 16, 17, 18. Hoje, 2023, os garimpeiros estão lá. Nunca
saíram. Governo estragou a Funai.
A Funai, que é fundação para proteger
os índios, enfraqueceu. O governo Bolsonaro estragou a Funai, que nos protegia.
E então aconteceu isso.
O
povo da cidade não se mexeu
No
ano passado, em 2022, começou a sair a notícia (da situação dos Yanomami) na
televisão, no jornal. E nós lutando, denunciando. Mas o povo da cidade não se
mexeu, não acreditou. Jair Bolsonaro não queria que o povo da cidade se mexesse.
Deixaram acontecer. Esconderam que estavam maltratando os Yanomami, que fomos
ficando doentes, Yanomami morrendo, criança maltratada. O governo ficou na
contramão.
O
rio é o caminho do garimpo
Eu
estou na comunidade Watoriki, junto com meu povo, não vou abandonar. A
comunidade Watoriki fica longe do garimpo. O garimpo fica mais perto do rio
Uraricoera. Ali é o caminho dos garimpeiros. Passam muitas canoas, mercadoria,
gasolina, comida, bebida. Entra tudo na balsa. Foram colocando barracas na
beira do rio e estragou tudo. O rio Mucajaí, acabou (garimpeiros fizeram uma
mudança no trajeto do rio). Não é como antigamente. Parece um lixo. Quando
chove, a água fica parada. Cria mosquito e vem doença.
70
mil garimpeiros
Na
cabeceira do Uraricoera está muito feio. Aumentou muito o número de invasores.
Para mim são 70 mil garimpeiros que estão na Terra Yanomami. Muito avião que
vem, helicópteros, e armas de fogo. Entrou tudo, a bebida e a droga. E nós
lutando, a gente pedindo. O governo Jair Bolsonaro não quis tirar, e senadores,
deputados, ficaram junto com os garimpeiros. Eles queriam acabar com o nosso
território Yanomami. Deixar a gente morrer e depois pegar o território, esse é
o jogo do político. Esse garimpo que
está na terra Yanomami é obra do governo.
Estou
de luto
Começaram
a morrer as nossas mulheres. Quando pai e mãe morrem, a criança fica doente, não
sabe procurar comida. Não levanta. As crianças estão doentes porque o garimpo
está perto das comunidades e os pais não têm como pescar. Não tem peixe,
garimpo mata tudo. Garimpo, dentro da Terra Yanomami, é muito forte para nós.
Estou muito chateado e bravo. A minha alma, junto com minha Mãe Terra, está de
luto por causa dos nossos filhos. Não tem mais remédio, não tem mais roçado
para coletar comida. A responsabilidade é do governo. Governo tem dever de
cuidar do povo Yanomami.
É
gente grande
O
garimpo hoje é diferente. Tem apoio de gente grande, gente que tem bastante
dinheiro. Eu sou ‘sonhador’, sou
pajé da minha comunidade. Estou sonhando (visualizando) que estrangeiro está
negociando com a troca de ouro. Quem está nos matando é o povo de fora.
Senadores, deputados e governadores, eles são culpados. O dinheiro está matando
a floresta, os rios e o ambiente. Tem muito traficante. Em 2021 atiraram numa
comunidade. É por isso que estavam escondendo, deixando os Yanomami morrer, e
ficaram calados. Mas agora vocês estão ouvindo e ficaram preocupados.
Retirada
urgente
O
presidente Lula, que também sofreu, foi preso, prometeu tirar todos os
garimpeiros da Terra Yanomami. A minha esperança é essa. Acho que Lula está
preparando o plano de retirada dos 70 mil garimpeiros da Terra Yanomami. Tem
que ser urgente. A doença não demora, fome também não. Estou esperando Lula
preparar a Polícia Federal, o Exército, o Ibama e todos que estão querendo
salvar o povo Yanomami. Não podemos morrer todos. Queremos que o governo tome
providências urgentes esse ano. Essa é a minha fala.
Coronavírus
Em
2020, aconteceu a doença que matou tantos do povo da cidade e que se chama coronavírus.
Na língua Yanomami é um morcegão, um espírito ruim para todo mundo, não só para
o índio. A doença atacou e matou muita gente. Esse governo que estava não
cuidou de vocês, não nos cuidou, não cuidou da floresta, nem da Mãe Terra. A
doença não vai acabar. Está no mundo inteiro. Vai e volta.
Médico
não vem pra floresta
Na
Terra Yanomami está muito ruim. Não tem remédio nem médico. Médico não quer trabalhar
na floresta, só quer trabalhar na cidade. E a falta de comida é doença do
garimpo, porque o garimpo ficou perto, na beira do rio. Viu o buraco lá na
Serra Pelada? E a barragem de Belo Monte também matou o meio ambiente. Será que
Belo Monte está trazendo benefício? Isso não funciona. Só traz doença,
problema, briga, poluição.
É
como leishmaniose
A
Terra não vai curar, a máquina deixou um buraco. Garimpo é como leishmaniose.
Nunca vai sarar, a doença continua. Se o governo federal e os médicos não
cuidarem das minhas crianças, vão acabar morrendo. Eu não quero que morra todo
mundo. O garimpo está mudando a nossa cabeça. A cultura e o pensamento do
não-indígena são muito fortes para nós.
Cesta
básica e anzóis
O
nosso roçado é pequeno. Fica todo mundo comendo macaxeira, banana, cará e
acaba. O garimpo continua lá e os parentes que estão no Uraricoera, rio Apiaú,
no Ato Catrimani, ficaram envolvidos com eles. Garimpeiro estava dando resto de
comida para eles.
O povo da cidade está falando que a criança Yanomami está morrendo de fome. Não
é isso. Eu, Davi, nunca morri de fome. Foi o garimpo que deixou muita coisa
ruim nas nossas comunidades. Já morreram 567 crianças. Outros estão se
aguentando para não morrer. Vocês, que são nossos parceiros, se são verdadeiros
brasileiros, podem nos ajudar. Nós precisamos. O governo precisa pensar em
cesta básica para quem está com fome. Mas cesta básica não vai curar:
precisamos de machado e anzol para pegar alimento. O roçado é mais forte que a cesta
básica.
Estrada
nova
Agora
abriram estrada em dois lugares na terra indígena. Não podia acontecer isso. Fizeram
a estrada para transportar ouro, madeira. O pequeno não faz isso. Só quem tem
muito dinheiro na mão consegue destruir.
Muitos
querem ouvir minha fala
Vou
aproveitar a oportunidade que estou indo para os Estados Unidos e estou
preparado. Tem muita gente querendo ouvir a minha fala. Vou contar tudo o que
aconteceu na Terra Yanomami com as crianças, netos, primas, irmãos que já
faleceram e outros que ficam com fome.
Índio
não vai morrer sozinho
A
fome não chega sozinha. A fome chega com o garimpo, com a destruição. Se eu
tenho esperança? Meu amigo presidente Lula vai salvar o nosso povo Yanomami e
os outros também, os munduruku, os caiapó. É pouco índio que está protegendo a
terra para o mundo inteiro. Sem índio, vocês vão sofrer também. A doença vai
voltar e começar na cidade, mesma coisa que está matando primeiro o povo
indígena. Índio não vai morrer sozinho. Vamos morrer junto com a água,
floresta, a cultura.
Crianças
nascendo pequenas
O
garimpeiro que fica perto da comunidade está usando a nossa índia. Já tem
filhos misturados, e isso não é bom. As nossas índias estão doentes. A doença
fica nas crianças que estão na barriga das mulheres. Crianças Yanomami estão
nascendo pequenas. É a doença transmitida pelo garimpeiro que usa mercúrio.
Está acontecendo isso e estamos com medo. Estou preocupado com as nossas
crianças indígenas que nascem na cidade, e a mulher da cidade que não tem filho
está adotando. Isso não pode.
Pagar
pelo erro
A
doença está toda espalhada e o problema está aumentando muito. Não queremos perder
o lugar onde nascemos e criamos os nossos filhos. Quem matou o meio ambiente e
também estragou o Palácio, o Congresso Nacional, será que são bons? Precisa
botar na cadeia para pagar erro.
Por Daniela Chiaretti, Valor — São Paulo - 29/01/2023
(Valor Econômico/Brasil)
Quem são os Povos Yanomami?
Lula decide visitar crianças Yanomamiacompanhado por três Ministros.
GOVERNO PUBLICA REGRAS PARA ENDURECER FISCALIZAÇÃO NO ESPAÇO AÉREO YANOMAMI – Noticias UOL
A portaria da Aeronáutica estabelece os procedimentos a serem observados pelos órgãos que compõem o Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro (SISDABRA) com relação aos tráfegos aéreos suspeitos de ilícito no espaço aéreo do território Yanomami.
O
ato lista uma série de situações que serão consideradas para classificar uma
aeronave como suspeita, como:
- ü
voar com infração das convenções, dos
atos internacionais ou das autorizações,
- ü
voar sem plano de voo aprovado,
- ü
não exibir marcas de nacionalidade,
- ü
manter as luzes externas apagadas em
voo noturno,
- ü
voar sob falsa identidade,
- ü estar furtada ou roubada, ou sob suspeita de furto ou roubo,
- ü interferir no uso do espectro eletromagnético sem autorização ou
- ü realizar reconhecimento aéreo ou sensoriamento remoto sem autorização.
"As
aeronaves classificadas como suspeitas (nos termos descritos na portaria)
estarão sujeitas às medidas de policiamento do espaço aéreo", cita o ato
assinado pelo comandante da Aeronáutica, Marcelo Kanitz Damasceno. –
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