Frei Tito: história
de luta do religioso cearense contra a ditadura militar no Brasil |
Há quase 40 anos, em 1983, quando já vivíamos o processo de redemocratização, seu corpo foi trazido ao Brasil. Sua morte foi em 1974, aos 31 anos...
Tito de Alencar Lima (Frei)
Frade
dominicano.
Nascido em Fortaleza/CE no dia 14/09/45, filho de
Ildefonso Rodrigues de Lima e Laura Alencar Lima.
Estudou em Fortaleza com os padres jesuítas. Foi
dirigente regional e nacional da JEC (Juventude Estudantil Católica). Em 1965,
ingressou na Ordem dos Dominicanos, sendo ordenado sacerdote em 1967, e também
foi aluno de Filosofia da USP.
Militante da Ação Estudantil Católica, foi seu coordenador
para o Nordeste. Foi preso em 1968, sob a acusação de ter alugado o sítio onde
se realizou o Congresso da UNE, em lbiúna.
Preso novamente em 4 de novembro de 1969, em
companhia de outros padres dominicanos porque acusados de terem ligações com a
ALN e Carlos Marighela.
Frei Tito foi torturado durante 40 dias pela
equipe do delegado Sérgio Fleury. Transferido depois para o Presídio
Tiradentes, onde permaneceu até dia 17 de dezembro. Nesse dia, foi levado para
a sede da Operação Bandeirantes (DOI-CODI/SP), quando o Capitão Maurício Lopes
Lima, disse-lhe: “Agora você vai conhecer a sucursal do inferno”. E foi o que
ocorreu. Torturado durante dois dias, pendurado no pau-de-arara, recebendo
choques elétricos na cabeça, órgãos genitais, nos pés, mãos, ouvidos, com
socos, pauladas, “telefones”, palmatórias, “corredor polonês”, “cadeira do
dragão”, queimaduras com cigarros, tudo acompanhado de ameaças e insultos. A
certa altura, o Capitão Albernaz ordenou-lhe que abrisse a boca para receber a
hóstia sagrada, introduzindo-lhe um fio elétrico que queimou-lhe boca a ponto
de impedi-lo de falar.
Frei Tito foi deixado durante toda uma noite no
pau-de-arara e, no dia seguinte, tentou o suicídio com uma gilete, sendo
conduzido às pressas para o Hospital do Exército do Cambuci, onde ficou cerca
de uma semana sob tratamento médico sem, contudo, deixar de ser submetido a
tortura psicológica constante.
Banido do país, em 13 de janeiro de 1971, quando
do seqüestro do embaixador da Alemanha no Brasil, viajou para o Chile e depois
para a Itália e a França.
Após algum tempo, instalou-se na comunidade
dominicana de Arbresle, tentando desesperadamente lutar contra os crescentes
tormentos de sua mente, abalada profundamente pela tortura. Já no exílio, foi
condenado pela 2ª Auditoria a pena de 1 ano e meio de reclusão, em 23 de
fevereiro de 1973.
No dia 7 de agosto de 1974, com 31 anos de idade,
Frei Tito enforcou-se, pendurando-se em uma árvore. Foi enterrado no Cemitério
Dominicano de Sainte Marie de la Tourette, próximo a Lyon, na França. Em 25 de
março de 1983, seus restos mortais foram trasladados para o Brasil, acolhidos
solenemente na Catedral da Sé, em São Paulo, com missa rezada por D. Paulo
Evaristo Arns e enterrado no jazigo de sua família em 26/03, em Fortaleza
Imagens do filme Frei Tito e Carlos Marighella e
música Sentinela - Milton Nascimento e Nana Caymmi*
“... seus propósitos inabalados por ter lutado
com todas as suas forças pela reforma da sociedade brasileira, não só pela
reforma agrária, mas, pela reforma tributária, ...pela reforma econômica, pela
justiça social...”
TV Globo - Linha Direta - Justiça. Reconstituição da história de Frei Tito.
Dia 16 de novembro de 2006, às 21h45.
A
agonia de Tito
O programa Linha Direta - Justiça desta
quinta-feira vai retratar a história de luta, fé e sofrimento do ativista
religioso cearense Frei Tito, interpretado pelo ator Guilherme Piva
O próximo Linha Direta - Justiça vai ser
especial. O programa vai exibir a história de Tito de Alencar Lima, o Frei
Tito, ativista religioso cearense que entrou para a história política do País,
por ter lutado pelos direitos humanos durante o árduo período da ditadura
militar. Preso e torturado, mesmo depois do exílio, nunca conseguiu se livrar
das marcas e do sofrimento pelos quais passou. Mesmo com tratamento
psiquiátrico, ele não desvinculou-se do passado e se suicidou na França, em
1974. O drama de Tito será recontado no especial, em que o ator Guilherme Piva
interpretará o frade.
Nascido em Fortaleza, de uma família de 15
irmãos, Tito foi dirigente nacional e regional da Juventude Estudantil
Católica. Em 1965, tornou-se frade dominicano. Depois se mudou para São Paulo,
estudou Ciências Sociais na USP, e começou a se engajar aos movimentos de
resistência ao regime. Foi um dos organizadores do famoso Congresso da UNE
(União Nacional dos Estudantes), em Ibiúna (SP), onde acabou sendo preso.
Frei Tito foi torturado, ao lado de mais 12
frades dominicanos, durante 40 dias. Na reconstituição, o delegado e chefe da
equipe que os torturou, Sérgio Fleury, será vivido pelo ator Ísio Ghelman.
Depois de todo o sofrimento que passou, conseguiu que sua história fosse
divulgada através de uma carta. A denúncia correu por diversos jornais, em todo
o mundo. Banido do País, em 1971, viajou para o Chile e para a Itália. Em Roma,
ele foi rejeitado pelos religiosos, que o consideravam subversivo. Só foi
conseguir asilo num convento em L'Abresle, na França.
Dominado pela tristeza que o abatia, pelas
recordações das violentas e humilhantes torturas que sofreu, Tito permanecia
abalado. Os amigos ficavam preocupados, sobretudo com os relatos. O frade dizia
que a imagem do delegado Fleury aparecia por todas as ruas e janelas.
Perturbado com tudo isso, ele se enforcou aos 31 anos de idade, em 1974. Seu
corpo só foi trazido ao Brasil em 1983, quando o já vivíamos o processo de
redemocratização.
_fonte: Tortura Nunca Mais
http://www.torturanuncamais-rj.org.br/MDDetalhes.asp?CodMortosDesaparecidos=188
http://www.torturanuncamais-rj.org.br/MDDetalhes.asp?CodMortosDesaparecidos=188
Uma história de Frei Tito de Alencar
'Morrer para viver"', biografia do cearense Frei Tito de Alencar, escrita pelo o holandês Ben Strik ganha tradução. O livro lançado em outubro de 2010, no Museu do Ceará, com a presença do autor
Tito de Alencar Lima contava 28 anos quando morreu na pequena Évreux, nos arredores de Lyon, na França. O Brasil estava longe, mas o frei dominicano carregava na bagagem a memória dos sofrimentos que passara no País. Corria no ano de 1974, e com ele se chegava à triste marca de uma década do regime militar brasileiro. O sofrimento ao qual Frei Tito havia sido submetido - variados tipos de tortura física e psicológica - ainda era imposto a muitos dos opositores do regime. Ainda atormentado pelas dores da tortura nas mãos dos militares, Frei Tito deu fim a sua própria vida em 10 de fevereiro daquele ano. Registrou num bilhete: "só posso viver ser morrer".
Essa história, mais um dos dramas políticos do
período negro da Ditadura Militar, é recontada no livro "Morrer para
viver". Mais extensa biografia daquele que é considerado um dos mártires
da ditadura brasileira, a obra foi escrita pelo holandês Ben Strik. Lançado
originalmente em holandês em 2005, o livro acaba de ganhar tradução para o
português. Strik lança seu livro em Fortaleza, na terra de Tito, amanhã, às
18h30, no Museu do Ceará.
O livro, impresso na Holanda, traz mais de 700
páginas de texto, com ilustrações que mostram cenas do período em que o
dominicano esteve vivo, e de repercussões a sua morte, que chegam aos dias de
hoje. Strik não se prende apenas aos episódios da vida de Frei Tito. Sua
reconstituição é panorâmica, procurando dar uma ideia do clima político do
País, entre os anos 1960 e 1970. Veterano da II Guerra Mundial, onde combateu
os nazistas, Strik viveu no Brasil entre 1950 e 1972, trabalhando com povos
indígenas e camponeses. Foi embora por conta do clima repressivo.
Convergência
de dramas
Prefácio assinado por Frei Betto |
O olhar de estrangeiro de Strik, sua preocupação
em apresentar ao leitor europeu a pouco conhecida história política brasileira,
dá ao livro um tom didático. Isso faz com que, apesar da profundidade do texto,
ele seja acessível mesmo para aqueles que não estão familiarizados com a
história do religioso cearense. O prefácio do livro é assinado por Frei Betto,
dominicano brasileiro, amigo e companheiro de lutas políticas de Tito. Betto é
o autor do best-seller "Batismo de Sangue" (1982), que conta a
história do envolvimento de um grupo de freis dominicanos na luta contra a Ditadura,
e que termina com a violenta repressão que levou Tito à tortura, à morte longe
de casa, mas sem esquecer o que sofreu nas mãos da equipe do delegado Sérgio
Paranhos Fleury (1933 - 1979). O corpo de Frei Tito só retornou ao Brasil em
1983, às vésperas da abertura política, e quando a anistia de 1979 já havia
permitido o retorno ao País de muitos de seus companheiros de ideologia.
MORRER PARA VIVER
A Luta de Tito de Alencar Lima contra a Ditadura Brasileira
De Ben Strik, com prefácio de Frei Betto, 719 páginas e mais de
200 ilustrações.
“Morrer para Viver” descreve a biografia de Frei Tito de Alencar Lima desde seu nascimento em 1945 até sua morte na França em 1974. Sua maneira de pensar, seus ideais. Sua luta contra a ditadura e seu exílio. Seu sofrimento depois das torturas físicas e mentais e sua morte. Para compreender seus motivos o livro esboça a negativa histórica do Brasil desde 1500 até hoje como a causa de seu idealismo fabuloso.
“Morrer para Viver” descreve a biografia de Frei Tito de Alencar Lima desde seu nascimento em 1945 até sua morte na França em 1974. Sua maneira de pensar, seus ideais. Sua luta contra a ditadura e seu exílio. Seu sofrimento depois das torturas físicas e mentais e sua morte. Para compreender seus motivos o livro esboça a negativa histórica do Brasil desde 1500 até hoje como a causa de seu idealismo fabuloso.
Memorial Frei Tito - Museu do Ceará |
HISTÓRIA
DE FREI TITO FOI RECONTADA EM OUTROS LIVROS E EM PROJETOS DE DIVERSAS
LINGUAGENS
Publicado pela primeira vez em 1982, "Batismo de Sangue: os dominicanos e a morte de Carlos Marighella" logo ganhou traduções para o italiano (1983) e para o francês (1984), onde se chamava "Os irmãos de Tito". A obra de Frei Betto (foto) não contava apenas a história do cearense, mas do grupo de dominicanos engajado na luta contra a Ditadura Militar do qual ele fez parte. Betto relata o sofrimento de seus companheiros Frei Ivo e Frei Fernando, também torturados para entregar aos militares a localização do líder guerrilheiro Carlos Marighella (1911 - 1969). Enquanto Tito se manteve calado, seus companheiros não suportaram a violência dos torturadores. Já Tito não se livrou das marcas deixadas pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. O livro ganhou uma nova edição em 2007, com a adição de novos dados sobre o assassinato de Maringuella.
Em julho de 1992, estreou em Fortaleza "Frei Tito, vida, paixão e morte" (foto), peça de teatro com texto do dramaturgo cearense Ricardo Guilherme, com direção de B. de Paiva. O texto foi encenado por atores de uma companhia de Brasília, a Escola de Teatro Dulcina de Moraes. A peça descrevia a trajetória de Tito de forma linear, partindo de seus primeiros contatos com os movimentos políticos, ainda na Capital; sua entrada na ordem dominicana e o subsequente apoio à guerrilha; a tortura e a morte no exílio. À época, a peça dividiu opiniões da crítica. Elogiadas por uns, foi acusada de ser demasiado simplista ao tratar o conflito entre a Ditadura e seus opositores, além do próprio drama de Tito de Alencar. Em cena, a produção usou recursos como slides, a "edição" com músicas da época e um narrador que dava notícias da época.
Em 14 de setembro de 2005, foi aberta no Museu do Ceará a exposição "Sala Escura da Tortura", para marcar os 60 anos de nascimento de Frei Tito de Alencar. A mostra ficou em cartaz até o 30 de novembro daquele ano. A exposição criava um círculo de imagens fortes, formado por sete quadros de 2 metros cada, trazendo figuras humanas em tamanho natural, reproduzidas em tons de cinza. Quadros produzidos no início da década de 1970, na França, a partir dos relatos do religioso. As obras são assinadas por artistas como os argentinos Julio Le Parc e Alexandre Marco, o uruguaio Gamarra e o brasileiro Gontran Guanaes Netto. O Museu do Ceará ainda mantém a exposição permanente "Memorial Frei Tito", com objetos pessoais do religioso; e lançou o livro "Frei Tito: em nome da memória", de Régis Lopes e Martine Kunz.
Em 2007, o livro de Frei Betto ganhou uma adaptação para os cinemas. Dirigido por Helvécio Ratton, "Batismo de Sangue" trouxe no elenco Daniel de Oliveira (Frei Betto), Cássio Gabus Mendes (Delegado Fleury), Ângelo Antônio (Frei Oswaldo) e Caio Blat (foto), no papel de Frei Tito de Alencar. O filme segue a mesma estrutura do livro, acompanhando o envolvimento dos jovens religiosos com a esquerda. O longa-metragem foi bem aceito pela crítica e incluído em listas dos melhores filmes brasileiros do ano. No Festival de Brasília, o longa-metragem venceu nas categorias "Melhor diretor" e "Melhor fotografia" (Lauro Escorel). Surpreendeu a direção de Ratton, cineasta veterano mais conhecido pelo leve "Menino Maluquinho". Ao contar o drama dos dominicanos, o diretor não economizou cenas fortes, para reproduzir a violência da tortura.
Publicado pela primeira vez em 1982, "Batismo de Sangue: os dominicanos e a morte de Carlos Marighella" logo ganhou traduções para o italiano (1983) e para o francês (1984), onde se chamava "Os irmãos de Tito". A obra de Frei Betto (foto) não contava apenas a história do cearense, mas do grupo de dominicanos engajado na luta contra a Ditadura Militar do qual ele fez parte. Betto relata o sofrimento de seus companheiros Frei Ivo e Frei Fernando, também torturados para entregar aos militares a localização do líder guerrilheiro Carlos Marighella (1911 - 1969). Enquanto Tito se manteve calado, seus companheiros não suportaram a violência dos torturadores. Já Tito não se livrou das marcas deixadas pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. O livro ganhou uma nova edição em 2007, com a adição de novos dados sobre o assassinato de Maringuella.
Em julho de 1992, estreou em Fortaleza "Frei Tito, vida, paixão e morte" (foto), peça de teatro com texto do dramaturgo cearense Ricardo Guilherme, com direção de B. de Paiva. O texto foi encenado por atores de uma companhia de Brasília, a Escola de Teatro Dulcina de Moraes. A peça descrevia a trajetória de Tito de forma linear, partindo de seus primeiros contatos com os movimentos políticos, ainda na Capital; sua entrada na ordem dominicana e o subsequente apoio à guerrilha; a tortura e a morte no exílio. À época, a peça dividiu opiniões da crítica. Elogiadas por uns, foi acusada de ser demasiado simplista ao tratar o conflito entre a Ditadura e seus opositores, além do próprio drama de Tito de Alencar. Em cena, a produção usou recursos como slides, a "edição" com músicas da época e um narrador que dava notícias da época.
Em 14 de setembro de 2005, foi aberta no Museu do Ceará a exposição "Sala Escura da Tortura", para marcar os 60 anos de nascimento de Frei Tito de Alencar. A mostra ficou em cartaz até o 30 de novembro daquele ano. A exposição criava um círculo de imagens fortes, formado por sete quadros de 2 metros cada, trazendo figuras humanas em tamanho natural, reproduzidas em tons de cinza. Quadros produzidos no início da década de 1970, na França, a partir dos relatos do religioso. As obras são assinadas por artistas como os argentinos Julio Le Parc e Alexandre Marco, o uruguaio Gamarra e o brasileiro Gontran Guanaes Netto. O Museu do Ceará ainda mantém a exposição permanente "Memorial Frei Tito", com objetos pessoais do religioso; e lançou o livro "Frei Tito: em nome da memória", de Régis Lopes e Martine Kunz.
Em 2007, o livro de Frei Betto ganhou uma adaptação para os cinemas. Dirigido por Helvécio Ratton, "Batismo de Sangue" trouxe no elenco Daniel de Oliveira (Frei Betto), Cássio Gabus Mendes (Delegado Fleury), Ângelo Antônio (Frei Oswaldo) e Caio Blat (foto), no papel de Frei Tito de Alencar. O filme segue a mesma estrutura do livro, acompanhando o envolvimento dos jovens religiosos com a esquerda. O longa-metragem foi bem aceito pela crítica e incluído em listas dos melhores filmes brasileiros do ano. No Festival de Brasília, o longa-metragem venceu nas categorias "Melhor diretor" e "Melhor fotografia" (Lauro Escorel). Surpreendeu a direção de Ratton, cineasta veterano mais conhecido pelo leve "Menino Maluquinho". Ao contar o drama dos dominicanos, o diretor não economizou cenas fortes, para reproduzir a violência da tortura.
BIOGRAFIA
"Morrer para viver"
Ben Strik
Tradução: Dolly Jurrius e João Bosco Feres
716 páginas
2009
BRASILHOEVE
Lançado em 22/10/2010 no Museu do Ceará
"Morrer para viver"
Ben Strik
Tradução: Dolly Jurrius e João Bosco Feres
716 páginas
2009
BRASILHOEVE
Lançado em 22/10/2010 no Museu do Ceará
_fonte: DN –
Caderno 3 (21/10/2010)
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=681944
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=681944
As
próprias pedras gritarão
Frei Tito por ele mesmo
Relato da tortura de Frei
Tito
Este é o depoimento de um preso político, Frei Tito de Alencar
Lima, 24 anos. Dominicano. (redigido por ele mesmo na prisão). Este depoimento
escrito em fevereiro de 1970 saiu clandestinamente da prisão e foi publicado,
entre outros, pelas revistas Look e Europeo.
Fui
levado do presídio Tiradentes para a "Operação Bandeirantes", OB
(Polícia do Exército), no dia 17 de fevereiro de 1970, 3ª feira, às 14 horas. O
capitão Maurício veio buscar-me em companhia de dois policiais e disse:
"Você agora vai conhecer a sucursal do inferno". Algemaram minhas
mãos, jogaram me no porta-malas da perua. No caminho as torturas tiveram
início: cutiladas na cabeça e no pescoço, apontavam-me seus revólveres.
Preso
desde novembro de 1969, eu já havia sido torturado no DOPS. Em dezembro, tive
minha prisão preventiva decretada pela 2ª auditoria de guerra da 2ª região
militar. Fiquei sob responsabilidade do juiz auditor dr Nelson Guimarães. Soube
posteriormente que este juiz autorizara minha ida para a OB sob “garantias de
integridade física”.
Ao
chegar à OB fui conduzido à sala de interrogatórios. A equipe do capitão
Maurício passou a acarear-me com duas pessoas. O assunto era o Congresso da UNE
em Ibiúna, em outubro de 1968. Queriam que eu esclarecesse fatos ocorridos
naquela época. Apesar de declarar nada saber, insistiam para que eu
“confessasse”. Pouco depois levaram me para o “pau-de-arara”. Dependurado nu,
com mãos e pés amarrados, recebi choques elétricos, de pilha seca, nos tendões
dos pés e na cabeça. Eram seis os torturadores, comandados pelo capitão
Maurício. Davam-me "telefones" (tapas nos ouvidos) e berravam
impropérios. Isto durou cerca de uma hora. Descansei quinze minutos ao ser
retirado do "pau-de-arara". O interrogatório reiniciou. As mesmas
perguntas, sob cutiladas e ameaças. Quanto mais eu negava mais fortes as
pancadas. A tortura, alternada de perguntas, prosseguiu até às 20 horas. Ao
sair da sala, tinha o corpo marcado de hematomas, o rosto inchado, a cabeça
pesada e dolorida. Um soldado, carregou-me até a cela 3, onde fiquei sozinho.
Era uma cela de 3 x 2,5 m, cheia de pulgas e baratas. Terrível mau cheiro, sem
colchão e cobertor. Dormi de barriga vazia sobre o cimento frio e sujo.
Na
quarta-feira fui acordado às 8 h. Subi para a sala de interrogatórios onde a
equipe do capitão Homero esperava-me. Repetiram as mesmas perguntas do dia
anterior. A cada resposta negativa, eu recebia cutiladas na cabeça, nos braços
e no peito. Nesse ritmo prosseguiram até o início da noite, quando serviram a
primeira refeição naquelas 48 horas: arroz, feijão e um pedaço de carne. Um
preso, na cela ao lado da minha, ofereceu-me copo, água e cobertor. Fui dormir
com a advertência do capitão Homero de que no dia seguinte enfrentaria a
“equipe da pesada”.
Na
quinta-feira três policiais acordaram-me à mesma hora do dia anterior. De
estômago vazio, fui para a sala de interrogatórios. Um capitão cercado por sua
equipe, voltou às mesmas perguntas. "Vai ter que falar senão só sai morto
daqui", gritou. Logo depois vi que isto não era apenas uma ameaça, era
quase uma certeza. Sentaram-me na "cadeira do dragão" (com chapas
metálicas e fios), descarregaram choques nas mãos, nos pés, nos ouvidos e na
cabeça. Dois fios foram amarrados em minhas mãos e um na orelha esquerda. A
cada descarga, eu estremecia todo, como se o organismo fosse se decompor. Da
sessão de choques passaram-me ao "pau-de-arara". Mais choques,
pauladas no peito e nas pernas a cada vez que elas se curvavam para aliviar a
dor. Uma hora depois, com o corpo todo ferido e sangrando, desmaiei. Fui
desamarrado e reanimado. Conduziram-me a outra sala dizendo que passariam a
carga elétrica para 230 volts a fim de que eu falasse "antes de
morrer". Não chegaram a fazê-lo. Voltaram às perguntas, batiam em minhas
mãos com palmatória. As mãos ficaram roxas e inchadas, a ponto de não ser
possível fechá-las. Novas pauladas. Era impossível saber qual parte do corpo
doía mais; tudo parecia massacrado. Mesmo que quisesse, não poderia responder
às perguntas: o raciocínio não se ordenava mais, restava apenas o desejo de
perder novamente os sentidos. Isto durou até às 10 h quando chegou o capitão
Albernaz.
"Nosso
assunto agora é especial", disse o capitão Albernaz, ligou os fios em meus
membros. "Quando venho para a OB - disse - deixo o coração em casa. Tenho verdadeiro
pavor a padre e para matar terrorista nada me impede... Guerra é guerra, ou se
mata ou se morre. Você deve conhecer fulano e sicrano (citou os nomes de dois
presos políticos que foram barbaramente torturados por ele), darei a você o
mesmo tratamento que dei a eles: choques o dia todo. Todo "não" que
você disser, maior a descarga elétrica que vai receber". Eram três
militares na sala. Um deles gritou: "Quero nomes e aparelhos (endereços de
pessoas)". Quando respondi: "não sei" recebi uma descarga elétrica
tão forte, diretamente ligada à tomada, que houve um descontrole em minhas
funções fisiológicas. O capitão Albernaz queria que eu dissesse onde estava o
Frei Ratton. Como não soubesse, levei choques durante quarenta minutos.
Queria
os nomes de outros padres de São Paulo, Rio e Belo Horizonte "metidos na
subversão". Partiu para a ofensa moral: "Quais os padres que têm
amantes? Por que a Igreja não expulsou vocês? Quem são os outros padres
terroristas?". Declarou que o interrogatório dos dominicanos feito pele
DEOPS tinha sido "a toque de caixa" e que todos os religiosos presos
iriam à OB prestar novos depoimentos. Receberiam também o mesmo
"tratamento". Disse que a "Igreja é corrupta, pratica agiotagem,
o Vaticano é dono das maiores empresas do mundo". Diante de minhas
negativas, aplicavam-me choques, davam-me socos, pontapés e pauladas nas
costas. À certa altura, o capitão Albernaz mandou que eu abrisse a boca
"para receber a hóstia sagrada". Introduziu um fio elétrico. Fiquei
com a boca toda inchada, sem poder falar direito. Gritaram difamações contra a
Igreja, berraram que os padres são homossexuais porque não se casam. Às 14
horas encerraram a sessão. Carregado, voltei à cela onde fiquei estirado no
chão.
Às
18 horas serviram jantar, mas não consegui comer. Minha boca era uma ferida só.
Pouco depois levaram-me para uma "explicação". Encontrei a mesma
equipe do capitão Albernaz. Voltaram às mesmas perguntas. Repetiram as
difamações. Disse que, em vista de minha resistência à tortura, concluíram que
eu era um guerrilheiro e devia estar escondendo minha participação em assaltos
a bancos. O "interrogatório" reiniciou para que eu confessasse os
assaltos: choques, pontapés nos órgãos genitais e no estomago palmatórias,
pontas de cigarro no meu corpo. Durante cinco horas apanhei como um cachorro.
No fim, fizeram-me passar pelo "corredor polonês". Avisaram que
aquilo era a estréia do que iria ocorrer com os outros dominicanos. Quiseram me
deixar dependurado toda a noite no "pau-de-arara". Mas o capitão
Albernaz objetou: "não é preciso, vamos ficar com ele aqui mais dias. Se
não falar, será quebrado por dentro, pois sabemos fazer as coisas sem deixar
marcas visíveis". "Se sobreviver, jamais esquecerá o preço de sua
valentia".
Na
cela eu não conseguia dormir. A dor crescia a cada momento. Sentia a cabeça dez
vezes maior do que o corpo. Angustiava-me a possibilidade de os outros padres
sofrerem o mesmo. Era preciso pôr um fim àquilo. Sentia que não iria aguentar
mais o sofrimento prolongado. Só havia uma solução: matar-me.
Na
cela cheia de lixo, encontrei uma lata vazia. Comecei a amolar sua ponta no
cimento. O preso ao lado pressentiu minha decisão e pediu que eu me acalmasse.
Havia sofrido mais do que eu (teve os testículos esmagados) e não chegara ao
desespero. Mas no meu caso, tratava-se de impedir que outros viessem a ser
torturados e de denunciar à opinião pública e à Igreja o que se passa nos
cárceres brasileiros. Só com o sacrifício de minha vida isto seria possível,
pensei. Como havia um Novo Testamento na cela, li a Paixão segundo São Mateus.
O Pai havia exigido o sacrifício do Filho como prova de amor aos homens.
Desmaiei envolto em dor e febre.
Na
sexta-feira fui acordado por um policial. Havia ao meu lado um novo preso: um
rapaz português que chorava pelas torturas sofridas durante a madrugada. O
policial advertiu-me: "o senhor tem hoje e amanhã para decidir falar.
Senão a turma da pesada repete o mesmo pau. Já perderam a paciência e estão
dispostos a matá-lo aos pouquinhos". Voltei aos meus pensamentos da noite
anterior. Nos pulsos, eu havia marcado o lugar dos cortes. Continuei amolando a
lata. Ao meio-dia tiraram-me para fazer a barba. Disseram que eu iria para a
penitenciária. Raspei mal a barba, voltei à cela. Passou um soldado. Pedi que
me emprestasse a "gillete" para terminar a barba. O português dormia.
Tomei a gillete. Enfiei-a com força na dobra interna do cotovelo, no braço
esquerdo. O corte fundo atingiu a artéria. O jato de sangue manchou o chão da
cela. Aproximei-me da privada, apertei o braço para que o sangue jorrasse mais
depressa. Mais tarde recobrei os sentidos num leito do pronto-socorro do
Hospital das Clínicas. No mesmo dia transferiram-me para um leito do Hospital
Militar. O Exército temia a repercussão, não avisaram a ninguém do que ocorrera
comigo. No corredor do Hospital Militar, o capitão Maurício dizia desesperado
aos médicos: "Doutor, ele não pode morrer de jeito nenhum. Temos que fazer
tudo, senão estamos perdidos". No meu quarto a OB deixou seis soldados de
guarda.
No
sábado teve início a tortura psicológica. Diziam: "A situação agora vai
piorar para você, que é um padre suicida e terrorista. A Igreja vai
expulsá-lo". Não deixavam que eu repousasse. Falavam o tempo todo,
jogavam, contavam-me estranhas histórias. Percebi logo que, a fim de fugirem à
responsabilidade de meu ato e o justificarem, queriam que eu enlouquecesse.
Na
segunda noite recebi a visita do juiz auditor acompanhado de um padre do
Convento e um bispo auxiliar de São Paulo. Haviam sido avisados pelos presos
políticos do presídio Tiradentes. Um médico do hospital examinou-me à frente
deles mostrando os hematomas e cicatrizes, os pontos recebidos no hospital das
Clínicas e as marcas de tortura. O juiz declarou que aquilo era "uma
estupidez" e que iria apurar responsabilidades. Pedi a ele garantias de
vida e que eu não voltaria à OB, o que prometeu.
De
fato fui bem tratado pelos militares do Hospital Militar, exceto os da OB que
montavam guarda em meu quarto. As irmãs vicentinas deram-me toda a assistência
necessária Mas não se cumpriu a promessa do juiz. Na sexta-feira, dia 27, fui
levado de manhã para a OB. Fiquei numa cela até o fim da tarde sem comer.
Sentia-me tonto e fraco, pois havia perdido muito sangue e os ferimentos
começavam a cicatrizar-se. À noite entregaram-me de volta ao Presídio
Tiradentes.
É
preciso dizer que o que ocorreu comigo não é exceção, é regra. Raros os presos
políticos brasileiros que não sofreram torturas. Muitos, como Schael Schneiber
e Virgílio Gomes da Silva, morreram na sala de torturas. Outros ficaram surdos,
estéreis ou com outros defeitos físicos. A esperança desses presos coloca-se na
Igreja, única instituição brasileira fora do controle estatal-militar. Sua
missão é: defender e promover a dignidade humana. Onde houver um homem sofrendo,
é o Mestre que sofre. É hora de nossos bispos dizerem um BASTA às torturas e
injustiças promovidas pelo regime, antes que seja tarde.
A
Igreja não pode omitir-se. As provas das torturas trazemos no corpo. Se a
Igreja não se manifestar contra essa situação, quem o fará? Ou seria necessário
que eu morresse para que alguma atitude fosse tomada? Num momento como este o
silêncio é omissão. Se falar é um risco, é muito mais um testemunho. A Igreja
existe como sinal e sacramento da justiça de Deus no mundo
"Não
queremos, irmãos, que ignoreis a tribulação que nos sobreveio. Fomos
maltratados desmedidamente, além das nossas forças, a ponto de termos perdido a
esperança de sairmos com vida. Sentíamos dentro de nós mesmos a sentença de
morte: deu-se isso para que saibamos pôr a nossa confiança, não em nós, mas em
Deus, que ressuscita os mortos" (2Cor, 8-9).
Faço
esta denúncia e este apelo a fim de que se evite amanhã a triste notícia de
mais um morto pelas torturas.
Frei Tito de Alencar Lima, OP
Fevereiro de 1970
_fonte: Frei Tito –
Memorial Online
http://www.adital.com.br/freitito/por/pedras.html#
http://www.adital.com.br/freitito/por/pedras.html#
Frei Tito: "Morrer para Viver"
Este é o título do livro de Bernard (Ben) Strik sobre a Luta do Frei TITO DE ALENCAR contra a ditadura militar. O Prefácio é do Frei Betto, companheiro do Frei Tito na mesma luta.
Ben Strik foi missionário no Brasil durante 20 anos, realizando trabalhos de apoio ao movimento popular no nordeste, no sudeste e na Amazônia. De retorno à sua pátria (Holanda), criou o "Brasil op Weg" (Brasil caminhando), uma ONG formada para levar o conhecimento do que se passava no Brasil, naqueles anos de chumbo, às comunidades católicas e protestantes holandesas. Traduzia canções brasileiras – cerca de 150 – para sua língua pátria e as cantava nas comunidades. Com isso, tornou conhecido o Brasil, a ditadura e seus crimes e conseguia ajuda financeira para dezenas de trabalhos de base por ele apoiado.
Sabendo da morte do Frei Tito, e conhecendo sua vida através da família Alencar e de muitas e incansáveis pesquisas, dedicou-se a escrever o livro, tendo como pano de fundo a história da colonização do Brasil, as lutas do povo e os crimes da ditadura. Foram vários anos de trabalho árduo.
O livro está à venda no Brasil em várias cidades. Em São Paulo, está sob os cuidados da Pastoral Operária da arquidiocese (11) 3106-5531 (com Lucas o Cidinha), assim como deste que vos escreve. Seu preço? R$ 40,00. Pagas as despesas com a edição do livro, o demais Ben Strik está destinando à compra da casa onde Frei Tito nasceu, que será o museu sobre sua vida, luta e morte.
Se alguém quiser adquirir o livro entre em contato. (Waldemar Rossi – walderossi@gmail.com)
Ben Strik foi missionário no Brasil durante 20 anos, realizando trabalhos de apoio ao movimento popular no nordeste, no sudeste e na Amazônia. De retorno à sua pátria (Holanda), criou o "Brasil op Weg" (Brasil caminhando), uma ONG formada para levar o conhecimento do que se passava no Brasil, naqueles anos de chumbo, às comunidades católicas e protestantes holandesas. Traduzia canções brasileiras – cerca de 150 – para sua língua pátria e as cantava nas comunidades. Com isso, tornou conhecido o Brasil, a ditadura e seus crimes e conseguia ajuda financeira para dezenas de trabalhos de base por ele apoiado.
Sabendo da morte do Frei Tito, e conhecendo sua vida através da família Alencar e de muitas e incansáveis pesquisas, dedicou-se a escrever o livro, tendo como pano de fundo a história da colonização do Brasil, as lutas do povo e os crimes da ditadura. Foram vários anos de trabalho árduo.
O livro está à venda no Brasil em várias cidades. Em São Paulo, está sob os cuidados da Pastoral Operária da arquidiocese (11) 3106-5531 (com Lucas o Cidinha), assim como deste que vos escreve. Seu preço? R$ 40,00. Pagas as despesas com a edição do livro, o demais Ben Strik está destinando à compra da casa onde Frei Tito nasceu, que será o museu sobre sua vida, luta e morte.
Se alguém quiser adquirir o livro entre em contato. (Waldemar Rossi – walderossi@gmail.com)
Sobre o autor
Ben Strik é holandês. Nasceu em 1923 e lutou contra os nazistas alemães na Segunda Guerra Mundial. Tornou-se sacerdote salesiano de Dom Bosco e trabalhou 22 anos no Brasil. A descoberta de semelhanças marcantes entre a vida dele e a de Frei Tito de Alencar Lima, deu a Ben Strik a idéia de fazer ouvir as razões que o levaram a dar sua vida por seus compatriotas oprimidos e abandonados.
Ao mesmo tempo, Ben Strik apresenta Frei Tito como um exemplo para todos os jovens do mundo, que, igualmente como ele, querem lutar por uma sociedade mais justa.
Ao mesmo tempo, Ben Strik apresenta Frei Tito como um exemplo para todos os jovens do mundo, que, igualmente como ele, querem lutar por uma sociedade mais justa.
Encomenda e Informações
Editora “Brasilboeve”, Holanda
Paperback 2009-09-11
*Parte da renda será para abrir um museu em honra de Frei Tito em Fortaleza
Editora “Brasilboeve”, Holanda
Paperback 2009-09-11
*Parte da renda será para abrir um museu em honra de Frei Tito em Fortaleza
_fonte: Instituto Zequinha Barretohttp://zequinhabarreto.org.br/?p=5131
*_vídeo: Imagens do filme Frei Tito e Carlos Marighella e
música Sentinela - Miton Nascimento e Nana Caymmi
FREI TITO DE ALENCAR LIMA (1945 ... 1974)
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