Papa Francisco na encíclica Lumen Fidei: ”A fé não é luz que
dissipa todas as nossas trevas mas é uma lâmpada que guia nossos passos na
noite e isto basta para o caminho”.
“Papa Francisco inspira o que é próprio da fé: a confiança e o sentimento de segurança. É o arquétipo do pai bom que mostra direção e confiança.”
“Fez uma conclamação importante, verdadeira lição para muitos movimentos no Brasil: a fé tem que ter os olhos abertos para as chagas dos pobres, estar perto deles e as mãos operosas para erradicar as causas que produzem esta pobreza.”
“Quantos são aqueles que se apresentam como ateus e
agnósticos e no entanto possuem essa fé como afirmação do sentido da vida e se
empenham para que seja justa e solidária.”
_trechos destacados de:Jornada Internacional da
juventude: celebração e compromisso=Leonardo Boffhttp://leonardoboff.wordpress.com/2013/07/28/jornada-internacional-da-juventude-celebracao-e-compromisso/
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Íntegra de texto:Jornada Internacional da juventude: celebração e compromisso=Leonardo Boff
No
pensamento social e filosófico a questão da
fé não está em alta. Antes pelo contrário, a maioria dos pensadores
tributários dos mestres da suspeita e filhos da modernidade, colocam a fé sob
suspeita, considerada como pensamento arcaico e mítico ou como cosmovisão do
povo supersticioso e falto de conhecimento, na contramão do saber científico.
Como quer que interpretemos a fé, o
fato é que ela está ai e mobiliza milhões de jovens vindos de todo mundo para a
Jornada Mundial da Juventude, além de outros milhares que acorreram para ver o
novo Papa Francisco. Suspeito que nenhuma ideologia, causa ou outro tipo de
lúder que não religioso consiga trazer para as ruas tão numerosa multidão.
Pode-se dizer responsavelmente que ai vigora alienação e arcaísmo?
Tal fato nos leva a refletir sobre a
relevância da fé na vida das pessoas. O conhecido sociólogo Peter Berger
mostrou em seu Rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do
sobrenatural (1969) a falácia da secularização que pretendeu ter banido do
espaço social a religião e o sagrado. Ambos ganharam novas formas mas estiveram
sempre ai presentes, porque estão enraizados profundamente nas demandas fundamentais da vida humana.
Imaginar que um dia o ser humano
abandone totalmente a fé é tão inverossímil quanto esperar que nós para não
ingerirmos alimentos quimicalizados ou transgênicos deixemos uma vez por todas
de comer. Quero abordar a fé em seu sentido mais comezinho, para aquém das
doutrinas, dogmas e religiões, pois ai aparece em sua densidade humana.
Há um dado pre-reflexo que subjaz à
existência de fé: a confiança na bondade fundamental da vida. Por mais absurdos
que haja e os há quase em demasia, o ser humano crê que vale mais a pena viver
do que morrer. Dou um simples exemplo: a criança acorda sobressaltada em plena
noite; grita pela mãe porque o pesadelo
e a escuridão a encheram de medo. A mãe toma-a no colo, no gesto da magna
mater, enche-a de carinho e lhe diz: “querida, não tenhas medo; está tudo bem,
está tudo em ordem”. A criança, entre soluços, reconquista a confiança e dentro
de pouco, adormece tranquila. Estará a mãe enganando a criança? Pois nem tudo
está bem. E contudo sentimos que a mãe não mente à criança. Apesar das
contradições, há uma confiança de que uma ordem básica perpassa a realidade.
Esta impede que o absurdo tenha a
primazia.
Crer é dizer:”sim e amém” à realidade.
O filósofo L. Wittgenstein podia dizer em seu Tractatus logico-philosophicus:
“Crer é afirmar que a vida tem sentido”. Este é o significado bíblico para fé
–he’emin ou amam – que quer dizer: estar seguro e confiante. Daí vem o “amém”
que significa:“é isso mesmo”. Ter fé é estar seguro no sentido da vida.
Essa fé é um dado antropológico de
base. Nem pensamos nele, porque vivemos dentro dele: vale a pena viver e
sacrificar-se para realizar um sentido que valha a pena.
Dizer que este sentido da vida é Deus
é o discurso das religiões. Esse sentido pervade a pessoa, a sociedade e o
universo, não obstante nossas infindáveis interrogações. Escreveu o Papa Francisco na encíclica Lumen Fidei:”A
fé não é luz que dissipa todas as nossas trevas mas é uma lâmpada que guia
nossos passos na noite e isto basta para o caminho”.
Dizer que esse sentido, Deus, se
acercou de nós e que assumiu nossa carne quente e mortal em Jesus de Nazaré é a
leitura da fé cristã. Em nome desta fé em Jesus morto e ressuscitado, se
reuniram esses milhares de jovens e acorreram mais de dois milhões de pessoas
em Copacabana.
Entre outros traços do carisma do Papa
Francisco é sua fé cristalina que o torna tão despojado, sem medo (o que se
opõe à fé não é o ateísmo mas o medo) que busca proximidade com as pessoas
especialmente com os pobres. Ele inspira o que é próprio da fé: a confiança e o
sentimento de segurança. É o arquétipo do pai bom que mostra direção e confiança.
Fez uma conclamação importante,
verdadeira lição para muitos movimentos no Brasil: a fé tem que ter os olhos
abertos para as chagas dos pobres, estar perto deles e as mãos operosas para
erradicar as causas que produzem esta pobreza.
Na Jornada houve belíssimas
celebrações e canções cujo tom era de piedade. Entretanto, não se escutaram as
belas canções engajadas das milhares comunidades de base. Não se ouviram
também suas belas canções que falam do
clamor das vítimas, dos indígenas e camponeses assassinados e do martírio
da Irmã Dorothy Stang e do Padre Josimo.
O Papa Francisco enfatizou uma evangelização que se acerca do povo, na
simplicidade e na pobreza. Repetiu muito:”não tenham medo”. O empenho pela
justiça social cria conflitos, vítimas e suscita medo, que deve ser vencido
pela fé.
Voltemos ao tema da fé humana. Quantos
são aqueles que se apresentam como ateus e agnósticos e no entanto possuem essa
fé como afirmação do sentido da vida e se empenham para que seja justa e
solidária. Talvez não a confessam em termos de Deus e de Jesus Cristo. Não
importa. Pois a base subjacente a esta fé em Deus e Cristo está lá presente sem
ser dita.
Esta
fé básica impõe limites à pós-modernidade vulgar que se desinteressa por uma humanidade
melhor e que não tem compromisso com a solidariedade pelo destino trágico dos
sofredores. Outros, vendo o fervor da fé dos jovens e a comoção até às lágrimas
sentem talvez saudades da fé da infância. E ai podem surgir impulsos que os
animam a viver a fé humana fundamental e quem sabe se abrem até à fé num Deus e
em Jesus Cristo. É um dom. Mas o dom de uma
conquista. E então um sentido maior se abre para uma vida mais feliz.
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